sexta-feira, 20 de março de 2009

AO PORFÍRIO DIAS, QUE TAMBÉM FOI SOLDADO EM ÁFRICA

Caderneta Militar do Porfírio Dias

Porfírio Dias - Especialidade: Enfermagem /Ainda na metrópole (1940)

Porfírio Dias em Cabo Verde, com a braçadeira de enfermagem e com pistola à cintura.
Em baixo: À porta da enfermaria na Ilha de S.Vicente, com outros camaradas enfermeiros e com o Alferes médico (o que não tem bata branca).
No Mindelo, com outros camaradas do batalhão (de bata branca).

Foto tirada em Cabo Verde, depois do incidente que o obrigou a usar óculos para sempre.

Querido pai,

Hoje é dia 19 de Março, dia de S. José, dia do pai. O teu neto telefonou-me de manhã a combinar almoçar comigo. O Daniel não se esqueceu aqui do “velho”, do “cota” como agora eles dizem. Vamos estar juntos. Também gostaria que pudesses estar aqui connosco, mas a vida levou-te há já alguns anos, mas continuas bem presente no nosso coração.

Mas neste dia queria lembrar que também tu foste mobilizado e enviado para Cabo Verde, no tempo da 2ª Guerra Mundial, que cumpriste também um dever que te foi imposto pelo teu/nosso país. Sei que a tua comissão não teve os riscos de combate, de guerra, como eu tive na Guiné, embora se falasse da possibilidade de um ataque alemão ou mesmo inglês, conforme o governo de Salazar se fosse inclinando para um lado ou para o outro, mas houve outros perigos: muita fome, doenças e as desgraças que assististe por força da tua especialidade. Foste também vítima da habitual falta de material para cumprir com o necessário cuidado as tarefas de que eras incumbido, como Soldado Auxiliar-Enfermagem. E foi por teres utilizado umas luvas já deterioradas numa intervenção cirúrgica, em que apoiavas o médico, que depois ao tocares com os dedos num dos teus olhos, arranjaste o problema que te obrigou a usar óculos desde então.

Aqueles tempos de 18/7/941 a 7/5/44 (2 anos e 10 meses!!!!), em terras de Cabo Verde, não terão sido pêra doce e lembro-me da história que tu contaste do submarino alemão que atracou e que depois de instado a sair de águas portuguesas, os alemães mantiveram-se calmamente no local e só se foram embora quando lhes apeteceu. Mas também das mornas que tu ficaste a adorar, como adoravas o fado. E a porrada que apanhaste e que está na tua caderneta, por estares no refeitório a atirar bolinhas de pão aos teus camaradas. É mesmo para rir…!!! Não havia mais nada para os teus superiores se entreterem? E um dos louvores por teres agarrado o cavalo do comandante que tinha tomado o freio nos dentes…. e que tu dizias que só o agarraste porque não sabias que o cavalo estava enlouquecido...porque se soubesses deixava-lo fugir!Ah!AhAh!

Lembro-me da alegria que tiveste quando fui promovido a Aspirante a Oficial Miliciano e se a mãe chorava, quase diariamente, como tu me contaste, quando eu estava na Guiné, ela também me contou das tuas lágrimas quando aos fins de semana me ajudavas a levar a mala até às camionetas, que me levavam a Mafra e depois a Abrantes de regresso ao quartel. Sempre te fizeste de forte, mas eu sei o quanto também sofreste, enquanto eu por África andava. Imaginavas os horrores que podia estar a enfrentar, pensando no que tu também passaras.

Foste tu que me encaminhaste para a minha profissão quando me trouxeste o anúncio do concurso para investigadores da Polícia Judiciária, em 1975 e ficaste todo orgulhoso de eu ter entrado. Deus não te deu o tempo de assistires enquanto eu fui progredindo na carreira e nomeado Director do Departamento de Armamento e Segurança, pelo Ministro da Justiça, 25 anos mais tarde.

O Daniel teve a sorte da liberdade conquistada pelo 25 de Abril lhe proporcionar ser o que ele quer. Sabes que ele tocou durante alguns anos, como guitarrista, numa banda rock – os Aside, que era, como tu te lembras, um dos meus sonhos. A banda fez 2 cd´s e diversas Tours por Portugal, pela Europa e pelo Canadá. Tocou no Festival de Vilar de Mouros, em 2005.

O socialismo que tu, a mãe e eu tanto apoiámos, é que já não mora aqui. Tem estado a morrer às mãos de uns tantos governantes tecnocratas que enfadam e corroem este nosso país.

A tua mulher (a minha mãe) tem sido sempre um apoio presente na minha vida e na do neto e pese embora a sua doença, as diversas passagens pelo hospital, continua a ter força para viver e conviver connosco. Como escreveu um camarada do meu batalhão num texto muito bonito sobre a mãe – para todas as mães – reconheço que algumas das rugas que ela tem, possam ter sido causadas por mim, pelo tempo que estive na guerra, mas olha que outras devem-se a ti, por teres partido tão cedo e sabes que tiveste alguma culpa nisso (maldito tabaquinho).

A nossa Lisboa, continua linda e o Tejo, com o qual tanto conviveste, em virtude da tua profissão (Conferente Marítimo), está hoje mais perto da cidade, numa aliança muito importante para os lisboetas.

Preocupações tem-nos dado o nosso Benfica, que está um pouco longe do que era no teu tempo, mas eu e o Daniel mantemo-nos fiéis ao clube que, aos Domingos, indo contigo ao antigo Estádio da Luz, aprendi a amar. Sabes que o teu neto é Mestre em artes marciais (Taekwondo Do) e dá aulas, especialmente a miúdos, tendo começado também no SLB e já conseguiu alcançar alguns títulos com eles.

Pai, estou a invocar-te aqui no blogue da minha companhia, porque tu também foste um mobilizado para África. Um, entre os muitos milhares que a Pátria foi lançando para as terras bravas e quentes daquele Continente. Foste um soldado português, como nós fomos. O país, como aos combatentes da 1ª Grande Guerra, onde o meu avô também esteve, aos do teu tempo, aos da Índia e a nós combatentes da guerra colonial, nunca nos agradeceu, porque é ingrato ou, se calhar, também não mereceu tanta brava gente.

Um abraço saudoso de teu filho. Um dia, quando Deus quiser, iremos voltar a abraçar-nos.

Luís Dias

Em memória de Porfírio António Dias, natural dos Anjos – Lisboa, nascido em 30 de Julho de 1919, Conferente Marítimo Reformado, casado com Venina Antunes Fernandes Dias, nascida em 1927, natural de S. João da Praça - Lisboa, falecido em Lisboa a 8 de Março de 1988.
Recebeu em Fevereiro de 1943, no Mindelo-Cabo Verde e do Comandante de Batalhão o louvor militar seguinte: Louvo pelo muito zelo com que tem desempenhado as suas funções no Posto de Socorros na Enfermaria do Batalhão, muitas vezes com o prejuízo da sua própria saúde, dando com a sua actividade, execelente exemplo de dedicação pelo serviço e pela saúde dos seus camaradas e manifestando-se assim um óptimo auxiliar do Senhor Oficial Médico.

1 comentário:

TAEKWONDO YANG HUM KWAN disse...

“a perda de um pai é sempre um vínculo que se desfaz com mágoa, mormente se, com essa vida que se foi, se apaga, menos para a saudade dos que o amaram, um bondoso coração”. Bourbon e Menezes.