sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

CARTÃO DE BOAS FESTAS

Votos de um Bom Natal e um Feliz Ano Novo de 2009 para todos os leitores, especialmente para os camaradas da C.CAÇ. 3491 e suas famílias, são os desejos do Editor e façam o favor de serem felizes.
Luís Dias.


OS MEUS NATAIS NA GUINÉ

NATAIS NA GUINÉ
O início da nossa comissão na Guiné não poderia ter data tão manifestamente importante para todos aqueles que sentem a época natalícia. A CCAÇ 3491, integrada no BCAÇ 3872, chegou a Bissau a 24 de Dezembro de 1971, na véspera do primeiro de três Natais que iríamos passar naquele território.
Desembarcámos do navio Angra do Heroísmo, no Cais de Pidjiquiti, fardados de camuflado e com um calor e humidade que o colavam à nossa pele e ouvindo as bocas de “periquito vai para o mato”, dos estivadores negros e de quem assistia aos primeiros passos dados por aqueles jovens em terras de África, saídos poucos dias antes da Metrópole e roubados ao sossego das suas vidas. Seguimos em viaturas civis para o Cumeré, onde o Batalhão ficaria instalado para o I.A.O. e passaria aquela primeira noite.
Lembro-me de jantarmos bacalhau, de termos estado a ouvir o cantor Marco Paulo ao vivo (também esteve na Guiné) e quando já estava no quarto com os meus camaradas, por volta das 22/23 horas, fomos surpreendidos com disparos de artilharia ou de outras armas pesadas que do quartel batiam a zona, em virtude de uma flagelação inimiga a um destacamento próximo.
A correria para uma espécie de valas que existiam em redor da parada do quartel ou para debaixo das camas, foi geral, pois todos pensávamos que estávamos a sofrer um ataque do IN. Foi o primeiro de muitos sustos e com alguns feridos ligeiros à mistura, porque nessa espécie de valas, onde alguns procuraram abrigo, existiam garrafas de cerveja partidas, que cortaram muitos dos incautos.
Ficámos logo a saber que mesmo perto de Bissau a pressão do IN podia fazer-se sentir – a guerra estava logo ali – e, meses mais tarde, aquando da passagem pela capital da Guiné a caminho de Lisboa para umas merecidas férias, assisti da messe de oficiais a um ataque a Jabadá, que se situava do outro lado do Rio Geba, quase em frente à principal cidade do CTIG.
Foi um Natal estranho, diferente, sem a companhia da família, imaginando que eles estavam todos juntos em casa dos meus pais. Senti bastante os milhares de quilómetros que nos separavam. Foi triste! Sei também que os meus familiares sofreram com a minha partida (tinha ido para o quartel para embarcar no dia dos meus anos) e com a minha falta à mesa de Natal e que os meus pais tiveram que ter o apoio – felizmente sempre presente – do meu tio Armando e da minha tia Bernardete. Este foi o primeiro Natal na Guiné, mas não seria o último.
Em Dezembro de 1972, depois de ter frequentado o Estágio das Unidades Africanas em Bolama e S. João, sob o Comando do então Major Coutinho e Lima (que iria mais tarde comandar a célebre retirada de Guileje, em 1973), pessoa que me pareceu um excelente militar e um excelente ser humano, consegui regressar à minha companhia, a tempo de passar o Natal com o meu pessoal, no nosso Dulombi. Poder contar-lhes as minhas aventuras durante o estágio, onde sofremos um ataque do PAIGC, a 13 de Dezembro (comandado pelo actual presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, com recurso a canhões sem recuo e morteiros pesados e contando com o apoio de militares cubanos) e como decorrera o restante estágio naquelas bandas.
Foi a festa possível, com cânticos e algumas lágrimas de saudade. Estávamos também em alerta, dado que no princípio desse mês o IN atacara fortemente a sede do batalhão (Galomaro). Comemos o “famoso” bacalhau liofilizado, mas com a esperança – por sinal errada – que seria o último que passaríamos na Guiné e que em 1973 estaríamos no seio das nossas famílias.
No ano seguinte, o meu Grupo de Combate, depois de ter estado uma temporada em apoio ao Batalhão de Piche, passou a prestar apoio ao Batalhão de Nova Lamego, tendo passado ainda por Pirada. Soubemos, entretanto, que não obstante a comissão ter terminado em Outubro, só seríamos substituídos em 1974. Víamos camaradas que tinham vindo em rendição individual e com menos tempo do que nós partirem e nós nada. Esta situação, aliada ao problema dos mísseis terra-ar que tornavam as evacuações dos feridos em combate no mato bastante difíceis, tinham proporcionado um abaixamento da moral das nossas tropas, implicando um trabalho psicológico acrescido para os graduados, para que a disciplina e as regras de segurança, em especial em operações, se mantivessem em elevado grau de eficiência.
Um Natal nestas condições, com o sonho desfeito de voltarmos a casa no tempo previsto, com 24 meses de Guiné já cumpridos e estando fora da companhia, foram difíceis de gerir e de digerir e os sentimentos que lavravam entre todos nós, eram um misto de revolta e de raiva. Lembro-me que, após a ceia de Natal em Nova Lamego, o Grupo de Combate, pela meia-noite, foi para o mato, substituir outros camaradas que estavam desde o fim da tarde emboscados, para que eles pudessem também vir comer a ceia. Ali ficámos a fazer segurança até ao alvorecer, cada um a pensar, com certeza, na importância de mais um Natal afastado da sua terra, da sua família, dos entes queridos.
Foi efectivamente o último, mas regressámos vivos e voltámos a comemorar estas datas com as nossas famílias e amigos. Outros, infelizmente, não tiveram a mesma sorte, porque a “boa estrela” perderam, numa qualquer picada, trilho, vala, ou bolanha, nas terras da Guiné.
Anos mais tarde, no âmbito da minha profissão tive outros natais dificeis, complicados, nomeadamente uma véspera de Natal que passei com outros colegas no campanário da Sé de Braga, sim é verdade naquela velha igreja, com um frio de rachar, passei ali a noite à espera que fosse assaltada.....felizmente nada se passou e no dia 25 de Dezembro regressámos a casa, mas eu tive um princípio de paragem de digestão, em virtude das baixas temperaturas que ali se registavam, que só foi tratada com umas águas das pedras que me arranjaram....bolas, foi cá uma má disposição, estava a ver que esse era, na verdade, o meu último Natal.
Digo-vos caros camaradas que desde esses tempos passei a ver o Natal com outro olhar…com outro sentimento!
Aproveito a oportunidade para desejar a todos aqueles que nos lêem, em especial aos amigos e camaradas da Tabanca Grande e aos elementos da Ex-CCAÇ 3491, um Bom Natal e um Ano Novo Próspero, extensivo às respectivas famílias e que a Boa Estrela nos guie.

Luís Dias