Depois de uma Operação de dois dias (Operação "Varina Alegre", em 1 FEV72), em que intervieram 1 GC da CCAÇ 2700 (os nossos "velhinhos"), 3 GC da CCAÇ 3491(2º,3º e 4º GC) e 1 Secção do Pel.Mil. 288. Ao fim da tarde, já no regresso ao Dulombi, a nossa coluna caminhava por um trilho em fila indiana, tendo sido dada ordem aos últimos para irem pegando fogo ao capim, que estava seco, para dar uma maior visibilidade da zona em próximas operações. A determinada altura, veio a palavra da frente a dizerem: "Ataque de abelhas", o que originou alguma debandada, com excepção de mim (Alf. Dias), isto porque fiquei de imediato coberto delas. Estavam por todo o lado, cabelo, cara, braços e mãos, num zumbido ensurdecedor. Sabedor da sua habitual ferocidade naquelas paragens (comprovada muitos meses mais tarde numa operação à zona de Medina do Boé, em que elementos de outra companhia foram atacados por um enxame originando a evacuação de helicóptero de vários militares e a morte infeliz de um outro, o qual, vendo-se envolvido por elas, efectuou diversos disparos de G3, lançou uma granada ofensiva e como de tal não resultou a sua dispersão, deu um tiro nele próprio - tal seria o seu desespero!), limitei-me, então, a deitar-me no capim, sem me mexer, suando as estopinhas e rezando para que elas não me picassem.
Não sei quanto se tempo se passou mas foi bastante, quando, finalmente, elas se foram embora -não sofri nem uma beliscadura - porque devem ter sentido o fogo a chegar. Levantei-me e chamei pelos soldados e nada.......?? Vi-me sozinho, com o fogo à perna, sem saber ao certo onde estava e para que lado ficava o quartel. Esta era a minha primeira operação (e podia ter sido a última) e tinham-me deixado ali.....Como era possível!!! Continuei pelo trilho, caminhando apressadamente porque o raio do fogo continuava a crepitar lá atrás. Depois de andar algum tempo, ouvi disparos intervalados e pensei: bom já deram pela minha falta! Notei, entretanto, que estava indo na direcção errada e efectuei também 3 disparos, mas não me ouviram, porque não houve outros tiros em resposta. Acalmei-me; a noite caía e tinha dificuldade em orientar-me no escuro. Ainda pensei subir a uma árvore e aguardar pela manhã para conseguir descobrir o caminho certo para o aquartelamento, mas havia o problema do fogo, aliado a estar numa zona em que o In podia surgir. Vi-me obrigado a prosseguir, orientando-me pelo Cruzeiro do Sul e seguindo a corta-mato em direcção à zona de onde tinha vindo o som dos disparos de G3. Depois de muito andar, notei ao longe um clarão intenso e fixo que presumi ser do Dulombi, pois não havia outro quartel em redor. Cheguei a um enorme Vendu e atravessei-o, em direcção à luz, tendo começado a ouvir o barulho de um motor, que pensei ser o gerador da electricidade. A seguir tinha um problema: na linha da frente do quartel, na parte que se situava virada para os Vendu, havia um campo de minas, dispostas em linha e colocadas em cima de ferros, a meia-altura, com arame de tropeçar. Embora os "velhinhos" nos tivessem dito que a maioria já tinha estoirado, devido à passagem de animais, havia a hipótese real de ainda estarem algumas activas. A opção não era simples, mas era clara: ou ser apanhado pelo fogo ou ter a sorte de aproximar-me do descampado que antecedia o quartel, onde estaria protegido do fogo.
Foi a sorte que me conduziu por um caminho sem que nada me sucedesse e avancei com cuidado pelo descampado até junto de um "Baga baga"(monte feito pelas formigas brancas, que mais tarde viria a demolir com explosivos por ser um local onde se podia alvejar o quartel com facilidade sem se ser visto e protegido de tiro directo), situado perto do torreão, localizado junto do campo de futebol, onde ainda vi dois elementos na base do mesmo, a comerem, tendo pensado em chamá-los, mas o facto de sermos "periquitos" retraiu-me, com o receio que desatassem aos tiros ou pior, à "morteirada".
Adormeci pela madrugada devido ao cansaço, tendo sido acordado manhã cedo, pelo som das culatras das espingardas G3 a irem à frente, sinal de que a tropa ía sair. Então levantei-me, tirei o dólmen e em tronco nu avancei para o quartel, entrando no mesmo, sob o olhar espantado dos militares que aguardavam a ordem de partida para irem à minha procura, já tendo solicitado, inclusive, a presença de um helicóptero. Estava bastante sujo, tinha criado duas ínguas nas virilhas, devido ao esforço efectuado de andar a corta-mato. Estão a ver a bronca que dei no soldado que me precedia e no que vinha atrás de mim, por terem perdido a ligação, que considerávamos extremamente importante nas intruções que lhes dávamos. Depois de um banho retemperador dormi o dia todo.
Soube posteriormente, que aquando do ataque de abelhas, a coluna desviara-se para um outro trilho paralelo e prosseguiram a marcha, só dando pela minha falta mais tarde, pensando até que eu teria morrido, devido ao fogo que lavrava naquela zona. A excepção era o meu amigo Alf. Farinha (que efectuou os disparos espaçados e que me ajudaram a localizar mais tarde o quartel) que referia que se eu tivesse sido apanhado pelo fogo as granadas de mão que eu transportava teriam rebentado e não tinha ouvido nenhuma explosão.
Durante muito tempo esta "estória" foi muito comentada pela Guiné fora. Uma das vezes que estive em Bissau, ouvi-a na messe de oficiais dos adidos, embora contada com outros condimentos, onde já metia os guerrilheiros do PAIGC, enfim...já sabem do provérbio: "Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto".
Começou aqui a minha sorte, dado que mais tarde iria novamente precisar dela...várias vezes. Quando voltei, eu costumava dizer aos amigos: "Tenho de andar certinho porque já esgotei a sorte toda lá na Guiné!"
Luís Dias (Ex-Alferes Miliciano)
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