

(LUÍS DIAS)
Espaço de confraternização para todos aqueles que, como combatentes, tiveram de percorrer as matas, as bolanhas, as picadas e os rios da Guiné, entre Dezembro de 1971 a Março de 1974, em especial invocar aqui a história e as "estórias" dos elementos da C.CAÇ 3491, aquartelados em Dulombi e também em Galomaro, e que tiveram grupos de combate em apoio de Cancolim, Piche, Nova Lamego, Bambadinca e Pirada. Fomos dos últimos combatentes do denominado "Império Português - o V Império".
Retirado do blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia.
Apenas para melhor ilustrar e não para criar polémicas foi remetida uma resposta do editor, Luís Dias, para o mesmo blogue, conforme segue:
Ainda sobre o ataque a Campata e o post 4509 do Juvenal Amado
Caro Juvenal
A guerra não devia ter estas situações, mas elas existiram, a guerra nem sempre é limpa, como a água. Há os que não deixam que estas coisas aconteçam e há os que a aceitam e até acreditam que deve ser assim e há os que assobiam para o lado, vêem, mas não querem ver e por último há os que efectivamente nada viram, não por estarem desatentos, mas porque, simplesmente, não estavam lá.
No dia em que o GE do Marcelino esteve em Galomaro, eu estava com o meu GC no mato, ainda à procura dos guerrilheiros do PAIGC que tinham feito o ataque e a proteger outras tabancas. Referes no teu “post” que os elementos do GE terão agredido o jovem guerrilheiro capturado em combate. Acredito, porque o dizes, dado que ninguém, na altura, falou nisso. Recordo-te que ele também vinha maltratado aquando da sua captura, porque a milícia até o queria matar por fazer parte do grupo que atacava as populações, mas pareceu-me querer colaborar, voluntariamente, com as nossas tropas, até porque dizia ter sido raptado pelas forças do PAIGC e obrigado a envolver-se nos ataques da nossa zona. Identificou, inclusive, os guerrilheiros mortos e o que representavam na hierarquia do IN.
Como sabes, infelizmente, na nossa zona, era mais fácil para o IN atacar as tabancas, mesmo as indefesas, do que os nossos aquartelamentos. Havia um grande ódio entre os guerrilheiros (normalmente balantas, animistas) e a população da nossa zona, predominantemente fulas, islamizados. Isto reflectia-se na violência dos seus ataques, sem contemplações, menosprezando as vidas, fossem de mulheres ou de crianças. Deves estar lembrado daquele cheiro, quando entrávamos numa tabanca atacada, uma mistura de terra queimada, pólvora, sangue, muitas vezes a mortos e o choro das mulheres, das crianças, por terem perdido algum familiar ou os seus parcos haveres. Era de ficar estarrecido, triste, sentindo a impotência da situação. A raiva e o choro também tomavam conta de nós. O IN não mostrava contemplações pela “sua” população e também não mostrou respeito pelo camarada da CCAÇ 3489, aprisionado no ataque a Anambé e morto a tiro na retirada, pelos três elementos da população capturados momentos antes do ataque a Dulô Gengele e fuzilados após. A quantidade de ataques a Bangacia, com diversos mortos, normalmente da população e, num desses ataques, colocaram a mina A/C na retirada que vitimou um condutor auto da CCS. O próprio ataque a Galomaro, em quem sofreu mais foi a população.
Aquando do ataque à tabanca de Samba Cumbera, o 2ºGC da CCAÇ3491 (que era o meu) e o 3º GC, fomos em perseguição dos atacantes. Poderia ter sido mais uma das muitas que fizemos, mas esta foi muito diferente. Diferente porque tínhamos sabido que no ataque o IN havia morto uma mulher e o filho que estavam enfiados numa vala, desarmados, escondidos daquela gente "libertadora" e que, sem qualquer justificação, os assassinou a sangue frio, e os nossos homens levaram aquilo a peito, como se da sua família fossem aqueles mortos e largaram atrás do grupo com um empenho, com uma gana, em passo de quase corrida. O IN deve-se ter apercebido do perigo, de que vínhamos perto, porque foram largando material, para mais fácil ganharem terreno. Conseguiram chegar primeiro ao Corubalo e atravessá-lo, mas foi por pouco. Às vezes pergunto-me, se os temos agarrado, conseguiria aguentar, conter a violência dos meus soldados. Sei a raiva que levávamos, sei das ínguas de esforço criadas, sei que os homens estoiraram atrás do IN, porque queríamos vingar aquelas mortes. E o regresso foi penoso, num silêncio feito do amargo de não termos sido suficientemente rápidos para os apanhar. Sei que em combate poderíamos ter sido "animalescos" para com o IN, mas também sei que não faríamos mal a um prisioneiro. Não o fizemos àquele guerrilheiro, como a outros capturados. Aliás enquanto esteve connosco nada se passou, isso eu sei. Mas também sei que em combate seria diferente.
Como refere Torcato Mendonça, no post sobre o ataque do PAIGC a Mussa Iéro: "...sentiram a bestialidade da guerra, a violência gratuita, o ódio fratricida a abater-se sobre eles. Homens, ou simplesmente seres a destilarem ódio, bestas de uma guerra num país que diziam querer libertar, comandados por outros de outras terras ou, se comandados por guineenses, treinados em países longínquos. Só assim se compreende o modo como espalharam o terror, o ódio, a morte e a destruição sobre gente indefesa...". Nós também somos gente e sentíamos essa raiva pelo mal que faziam aquelas pobres populações e o que eles lhes faziam não era guerra, perceba-se!!!
Fui um operacional como tu dizes e sei que as operações que fazíamos podiam limitar as acções do IN – conforme informações prestadas por elementos do PAIGC que se entregaram na nossa zona – e tinha, como tu também dizes, responsabilidades pelo meu GC, muitas vezes por dois GC, e às vezes pela própria companhia. Mas, essa operacionalidade tinha limites. Tu, também eras operacional e quando conduzias a tua viatura tinhas responsabilidade pelos camaradas que transportavas, pois dependiam de uma condução segura e eficaz. Fazíamos parte de uma “máquina de guerra”, mesmo contra a vontade. No meu ponto de vista, só havia duas soluções para os que eram contra a guerra: ou desertavam e punham-se a mexer ou então se iam combater, então tinham de cumprir as suas missões com o devido empenhamento e competência, em especial se tinham pessoas na sua dependência, que confiavam neles para, também com alguma sorte, conseguirem voltar a ver os seus entes queridos.
Ainda bem que ninguém, como tu dizes, do BCAÇ 3872 (entenda-se da CCAÇ 3491 e da CCS, que eram as tropas aquarteladas na altura em Galomaro) teve interferência nessa agressão e os fins não podem e não devem justificar os meios. Agora que o ataque do GE do MM à base do PAIGC produziu diversos meses sem quaisquer ataques às tabancas da nossa zona, isso foi um facto. Entre o 16 de Março e meados de Setembro foi a paz e o sossego para todas elas. As armas calaram-se!
Um abraço
Luís Dias
A 16 de Março de 1973, o IN flagelou o quartel do Dulombi, às 17h55, sem quaisquer consequências, abandonando na base de fogos, diverso material, nomeadamente granadas de RPG-2 e RPG-7, isto devido à reacção das nossas forças, através de disparos dos 2 morteiros 81 mm e dos vários morteiros de 60 mm.
Guerrilheiros do PAIGC mortos em combate no ataque a Campata (F1).
Dois dos cinco elementos do PAIGC mortos em combate no ataque a Campata (F2).
O GE do Alf. Cmd. Marcelino da Mata a caminho dos hélios que os iriam transportar no assalto a uma base IN, na Rep. da Guiné-Conacri - Galomaro, Março de 1973.
O heróico chefe do Pel. Milª de Campata - Semba Embaló (aqui com o Alf. L. Dias da CCAÇ 3491), que soube organizar as suas forças de forma a repelir com grande sucesso o ataque de um grupo IN fortemente armado. Campata 1973.
FOTOS DO CONVÍVIO
Ao centro, de gravata, o Norberto Fernandes, o "Charlot", após o seu discurso. Vendo-se ainda o Joaquim Pedro e o Mateus Baptista.