Retirado do blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia.
Apenas para melhor ilustrar e não para criar polémicas foi remetida uma resposta do editor, Luís Dias, para o mesmo blogue, conforme segue:
Ainda sobre o ataque a Campata e o post 4509 do Juvenal Amado
Caro Juvenal
A guerra não devia ter estas situações, mas elas existiram, a guerra nem sempre é limpa, como a água. Há os que não deixam que estas coisas aconteçam e há os que a aceitam e até acreditam que deve ser assim e há os que assobiam para o lado, vêem, mas não querem ver e por último há os que efectivamente nada viram, não por estarem desatentos, mas porque, simplesmente, não estavam lá.
No dia em que o GE do Marcelino esteve em Galomaro, eu estava com o meu GC no mato, ainda à procura dos guerrilheiros do PAIGC que tinham feito o ataque e a proteger outras tabancas. Referes no teu “post” que os elementos do GE terão agredido o jovem guerrilheiro capturado em combate. Acredito, porque o dizes, dado que ninguém, na altura, falou nisso. Recordo-te que ele também vinha maltratado aquando da sua captura, porque a milícia até o queria matar por fazer parte do grupo que atacava as populações, mas pareceu-me querer colaborar, voluntariamente, com as nossas tropas, até porque dizia ter sido raptado pelas forças do PAIGC e obrigado a envolver-se nos ataques da nossa zona. Identificou, inclusive, os guerrilheiros mortos e o que representavam na hierarquia do IN.
Como sabes, infelizmente, na nossa zona, era mais fácil para o IN atacar as tabancas, mesmo as indefesas, do que os nossos aquartelamentos. Havia um grande ódio entre os guerrilheiros (normalmente balantas, animistas) e a população da nossa zona, predominantemente fulas, islamizados. Isto reflectia-se na violência dos seus ataques, sem contemplações, menosprezando as vidas, fossem de mulheres ou de crianças. Deves estar lembrado daquele cheiro, quando entrávamos numa tabanca atacada, uma mistura de terra queimada, pólvora, sangue, muitas vezes a mortos e o choro das mulheres, das crianças, por terem perdido algum familiar ou os seus parcos haveres. Era de ficar estarrecido, triste, sentindo a impotência da situação. A raiva e o choro também tomavam conta de nós. O IN não mostrava contemplações pela “sua” população e também não mostrou respeito pelo camarada da CCAÇ 3489, aprisionado no ataque a Anambé e morto a tiro na retirada, pelos três elementos da população capturados momentos antes do ataque a Dulô Gengele e fuzilados após. A quantidade de ataques a Bangacia, com diversos mortos, normalmente da população e, num desses ataques, colocaram a mina A/C na retirada que vitimou um condutor auto da CCS. O próprio ataque a Galomaro, em quem sofreu mais foi a população.
Aquando do ataque à tabanca de Samba Cumbera, o 2ºGC da CCAÇ3491 (que era o meu) e o 3º GC, fomos em perseguição dos atacantes. Poderia ter sido mais uma das muitas que fizemos, mas esta foi muito diferente. Diferente porque tínhamos sabido que no ataque o IN havia morto uma mulher e o filho que estavam enfiados numa vala, desarmados, escondidos daquela gente "libertadora" e que, sem qualquer justificação, os assassinou a sangue frio, e os nossos homens levaram aquilo a peito, como se da sua família fossem aqueles mortos e largaram atrás do grupo com um empenho, com uma gana, em passo de quase corrida. O IN deve-se ter apercebido do perigo, de que vínhamos perto, porque foram largando material, para mais fácil ganharem terreno. Conseguiram chegar primeiro ao Corubalo e atravessá-lo, mas foi por pouco. Às vezes pergunto-me, se os temos agarrado, conseguiria aguentar, conter a violência dos meus soldados. Sei a raiva que levávamos, sei das ínguas de esforço criadas, sei que os homens estoiraram atrás do IN, porque queríamos vingar aquelas mortes. E o regresso foi penoso, num silêncio feito do amargo de não termos sido suficientemente rápidos para os apanhar. Sei que em combate poderíamos ter sido "animalescos" para com o IN, mas também sei que não faríamos mal a um prisioneiro. Não o fizemos àquele guerrilheiro, como a outros capturados. Aliás enquanto esteve connosco nada se passou, isso eu sei. Mas também sei que em combate seria diferente.
Como refere Torcato Mendonça, no post sobre o ataque do PAIGC a Mussa Iéro: "...sentiram a bestialidade da guerra, a violência gratuita, o ódio fratricida a abater-se sobre eles. Homens, ou simplesmente seres a destilarem ódio, bestas de uma guerra num país que diziam querer libertar, comandados por outros de outras terras ou, se comandados por guineenses, treinados em países longínquos. Só assim se compreende o modo como espalharam o terror, o ódio, a morte e a destruição sobre gente indefesa...". Nós também somos gente e sentíamos essa raiva pelo mal que faziam aquelas pobres populações e o que eles lhes faziam não era guerra, perceba-se!!!
Fui um operacional como tu dizes e sei que as operações que fazíamos podiam limitar as acções do IN – conforme informações prestadas por elementos do PAIGC que se entregaram na nossa zona – e tinha, como tu também dizes, responsabilidades pelo meu GC, muitas vezes por dois GC, e às vezes pela própria companhia. Mas, essa operacionalidade tinha limites. Tu, também eras operacional e quando conduzias a tua viatura tinhas responsabilidade pelos camaradas que transportavas, pois dependiam de uma condução segura e eficaz. Fazíamos parte de uma “máquina de guerra”, mesmo contra a vontade. No meu ponto de vista, só havia duas soluções para os que eram contra a guerra: ou desertavam e punham-se a mexer ou então se iam combater, então tinham de cumprir as suas missões com o devido empenhamento e competência, em especial se tinham pessoas na sua dependência, que confiavam neles para, também com alguma sorte, conseguirem voltar a ver os seus entes queridos.
Ainda bem que ninguém, como tu dizes, do BCAÇ 3872 (entenda-se da CCAÇ 3491 e da CCS, que eram as tropas aquarteladas na altura em Galomaro) teve interferência nessa agressão e os fins não podem e não devem justificar os meios. Agora que o ataque do GE do MM à base do PAIGC produziu diversos meses sem quaisquer ataques às tabancas da nossa zona, isso foi um facto. Entre o 16 de Março e meados de Setembro foi a paz e o sossego para todas elas. As armas calaram-se!
Um abraço
Luís Dias
sexta-feira, 12 de junho de 2009
AINDA O ATAQUE A CAMPATA E O GE DE MARCELINO DA MATA EM GALOMARO
A história aqui referida de, após o ataque do IN a Campata, ter surgido em Galomaro o GE de Marcelino da Mata, foi também publicada no Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, tendo também sido publicada no mesmo local um "post" do Ex-1º cabo condutor auto, Juvenal Amado, camarada da CCS do nosso batalhão sobre o mesmo assunto que, com a devida vénia para o autor e editores do blogue publicamos aqui:
"As estórias são motivos de prazer quando delas não resultam lembranças que nos traumatizam.Ao longo destes meses em que me expus com as minhas estórias, tentei ser o mais próximo daquilo que se passou ao tempo. Um ou outro facto, data ou acontecimento a memória nem sempre fiel, foi e é objecto de dúvida e imprecisão. Mas essas nunca foram relevantes no contexto das mesmas estórias.Do que relatei efectivamente houve trauma em alguns acontecimentos.Nenhum de nós passou por eles de forma ligeira.Neste contexto fico feliz, que não tenha praticado nenhum acto, que me desonrasse como militar e como homem.
Um abraço para todos
Juvenal Amado
ATAQUE A CAMPATA
O nosso camarada ex-Alferes Dias, traz ao poste 4466 (**) o relato dessa sangrenta noite, com o rigor de quem se habituou durante aqueles anos, a ter que fazer relatórios sobre a operacionalidade das tropas sobre o seu comando.
O Dias foi um oficial operacional responsável pelos os seus soldados, combateu, arriscou a vida possivelmente convencido que esse era o caminho mais certo para não ter baixas.
Era norma operacional, que o trabalho desenvolvido nas patrulhas e nas operações, afastava o IN e reduzia o sangue derramado.Efectivamente também lá estive nessa noite e depois na reconstrução da aldeia.
Connosco para Galomaro veio um guerrilheiro ferido, que veio a falecer tal era a gravidade dos seus ferimentos. Juntamente veio um menino gravemente queimado, que ficou a viver no quartel até praticamente ao fim da nossa comissão. O seu sofrimento bem como o cuidado com que foi tratado pelo pessoal médico da CCS, foi por mim aflorado em jeito de comentário numa estória, que relata uma patrulha nocturna.
Quanto ao jovem prisioneiro posteriormente mencionado, foi um episódio, que tenho guardado estes anos todos, porque me chocou a forma como ele foi tratado. Seria filho de um homem grande de uma aldeia relativamente perto, ou foram buscar logo o pai que apareceu no quartel a exigir uma arma para matá-lo e assim lavar a honra dele e da sua família.O homem queria estar nas boas graças das autoridades nem que, para isso tivesse que verter o sangue do seu sangue.Quanto ao filho, não faço ideia nenhuma do que lhe aconteceu, mas eu e mais camaradas, ainda que fugazmente, assistimos a parte do tratamento que ele levou durante o interrogatório. Mais não assistimos, pois os interrogadores ao se aperceberem de que nós os estávamos a observar, deram-nos violenta ordem para recolhermos ao abrigo. O interrogatório foi feito na traseira do quarto do Comandante, por conseguinte, virado para a porta do meu abrigo.Recordo como, na altura, fiquei agoniado ao ver a cara inchada e as canelas, do prisioneiro, a escorrer sangue.
Ainda hoje lamento, mas nada podia fazer, aquela gente estava acima da lei. Dirão que os fins justificavam os meios.Um soldado combate, defende-se ou ataca, mas não tortura.Não estive de acordo na altura e continuo a não estar de acordo agora. Resta-me a consolação de que nenhum militar do 3872 participou nesse acto.
Um abraço
Juvenal Amado"
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2 comentários:
Caro Luis
Como te tinha dito já algum tempo não "visitava" o Dulombi.
Gostei da tua exposição e do rigor dos dados operacionais. Como deves compreender, conheço alguns locais de lá ter estado e nunca a nivel de teatro de operações.
A informação a que tu tinhas acesso, nem pelo meu bigode passou como era natural.
Assim penso que a tua e a minha visão da situação se completam e alargam o conhecimento daqueles anos de incerteza.
Em relacção ao Bccaç 3872 é sempre a nivel do batalhão que me refiro e que me orgulho de ter pertencido.
Abraço para ti e para todos os camaradas do Dulombi.
Tive pena que não tivesses ido ao encontro da Ortigosa.
Juvenal Amado
Caro Juvenal
Sempre a considerar e olha que a seguir àqueles que tinham de ir para o mato, os elementos que mais podiam sofrer as aqruras da guerra eram vocês que conduziam as viaturas e que podiam sofrer connosco as emboscadas e as terríveis minas. Eu sempre disse aos meus homens..."antes quero andar quilómetros a pé do que andar no "descanso" das viaturas". Viajar pelas picadas era das tarefas mais perigosas da guerra. E claro que também conheste muitos dos locais por onde andámos e outros que nós não conhecemos, por exemplo, eu nunca percorri a estrada para Cancolim, nunca lá estive, ao contrário, de certeza, tu tiveste de a fazer e não era pera doce.
Não fui ao encontro porque estava no Algarve e também...., porque a minha mulher me têm chateado pelo meu envolvimento no blogue, que estou mais lamechas,que falo da Guiné - o que nunca fazia -, etc. Ela não compreende o que nós sentimos, o que passámos. Ela naquela altura era ainda uma criança(é muito mais nova que nós, por isso tem desculpa).
Um abraço do tamanho das tabancas de Galomaro
Luís Dias
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