quinta-feira, 16 de junho de 2011

ARMAMENTO E EQUIPAMENTO DAS FORÇAS PORTUGUESAS E DO PAIGC NA GUERRA COLONIAL - GUINÉ 71-74

ARMAMENTO E EQUIPAMENTO DAS FORÇAS PORTUGUESAS E DAS FORÇAS DO PAIGC NA GUERRA COLONIAL

Guiné 1971 – 1974

IIª PARTE (Continuação)

1.2. OS MORTEIROS MÉDIOS E PESADOS

A palavra morteiro advém da palavra inglesa “mortar”, que quer dizer almofariz e que, segundo a lenda, terá sido nele que se inventou a pólvora. Os primeiros morteiros terão surgido no século XIV, mas como tinham ainda um tiro muito impreciso era a bombarda que reinava. Os morteiros actuais desenvolveram-se daqueles que foram utilizados no 1º conflito mundial, onde foram especialmente concebidos para as guerras de trincheira (“trench mortars”) e como arma de apoio da infantaria, embora os morteiros pesados são, em alguns casos e para alguns autores, usados como arma de artilharia.
Os morteiros foram o terror das trincheiras durante a Iª GM, uma vez que eram muito mais eficientes do que canhões na devastação de posições defensivas, por causa da trajectória em parábola do projéctil. O seu uso foi consagrado pelos alemães, que tiraram lições da guerra russo-japonesa de 1904, em Port Arthur.
O morteiro é uma boca-de-fogo, de carregar pela boca, destinado a lançar granadas, normalmente em tiro curvo, capaz de alcançar alvos em áreas denominadas “zonas mortas” (desenfiados ou em contra-encosta). Pode fazê-lo nas modalidades de tiro seguintes: directo, mascarado ou indirecto.
Os morteiros podem ser classificados da seguinte forma:

LIGEIROS
Com Peso até cerca de 18 Kg, com calibre até 60mm e alcance máximo até 1900m.
Executam, normalmente, tiro directo.
MÉDIOS
Com peso até 70 Kg, com calibre entre 60 e 100mm e alcance máximo até 6000m.
Particularmente vocacionado para o tiro mascarado. O seu peso e dimensões não aconselham a sua utilização em posições muito avançadas.
PESADOS
Peso até 300 Kg, com calibre superior a 100mm e alcance máximo até 9000m.
Vocacionado para o tiro indirecto. O seu peso e dimensões aconselham a sua utilização em posições muito afastadas da frente.

São armas robustas, de funcionamento simples, de entrada em posição morosa (médios e pesados especialmente), que podem atirar diverso tipo de granadas (instrução, fumos, incendiárias, explosivas, iluminação, etc.) e que podem ser colocadas em reparos apropriados para defesa de instalações, em reparos com rodas e em viaturas.
O funcionamento é feito por ante carga, com percutor fixo (o disparo é obtido pela queda do projéctil sobre o percutor) ou móvel (accionado por um mecanismo de disparo manual, após a queda do projéctil no interior do cano).

1.2.1. AS FORÇAS PORTUGUESAS

Os soldados portugueses terão um jeito muito especial para o uso de morteiros, conforme relatos existentes da Iª GM (“Livro de Ouro da Infantaria Portuguesa”), sendo neste conflito que maior desenvolvimento teve este tipo de arma. Os portugueses possuíam, então, morteiros ligeiros de 75mm, médios de 152mm e pesados de 236mm.
O emprego eficaz dos morteiros (aliás também da artilharia) pressupõe um bom suporte cartográfico e a observação do tiro. Durante todo o tempo da guerra colonial, nem sempre este ideal foi alcançado, pelo que o apoio próximo das tropas não foi eficientemente conseguido. Assim, os morteiros de maiores calibres (81 mm, 107mm e, mais tarde, 120mm) foram essencialmente empregues em flagelações e reacções aos ataques a aquartelamentos. Pelo contrário, os morteiros de 60 mm seriam largamente utilizados, sobretudo no apoio imediato das tropas, colmatando assim a falta já referenciada de um lança-granadas eficaz.

1.2.2. O MORTEIRO MÉDIO BRANDT M/931 DE 81mm

O principal morteiro médio utilizado na guerra colonial foi o Brandt m/931, desenvolvido por esta firma em França, no final dos anos 20 (1927), (ainda que baseado no desenho do morteiro Stokes, de origem inglesa) e conhecido como o Brandt 81 mm mle/27/31 (por ter sido redesenhado em 1931). Foi o morteiro das forças francesas na IIª Guerra Mundial. Depois da ocupação nazi foi utilizado pelas forças alemãs a contento e deu origem a um morteiro do mesmo tipo norte-americano e muitas cópias pelo mundo fora.


MORTEIRO MÉDIO BRANDT m/931 de 81mm

Características desta arma

TIPO: Morteiro médio
ORIGEM: França
CALIBRE: 81, 4 mm
COMPRIMENTO DO CANO: 126 cm
PESO DO CANO: 20, 7 Kg
PESO DO BIPÉ: 18, 5 Kg
PESO DO PRATO BASE: 20, 5 Kg
PESO DO APARELHO DE PONTARIA: 1,3 Kg
PESO TOTAL EM POSIÇÃO DE FOGO: 61 Kg
ALCANCE: 4 000 m
ALINHAMENTO DE TIRO: Recurso a aparelho de pontaria apropriado
CAPACIDADE DE FOGO: Variável (15 a 30 gpm)
FUNCIONAMENTO: Ante carga, com percutor fixo e de tubo de alma lisa. O disparo dá-se por queda da granada sobre o percutor e o lançamento por acção dos gases da carga propulsora e das cargas suplementares, se as houver.
MUNIÇÃO: Variada (granada explosiva normal (3, 2 Kg), explosiva de grande potência (6, 9 Kg), de fumos, iluminação e de treino). As granadas podiam levar cargas suplementares presas nas alhetas que lhe davam um maior alcance. Havia granadas que armavam por inércia e só depois disso é que rebentavam ao contacto e outras que rebentavam pelo contacto da mola do nariz.

1.2.3. O MORTEIRO PESADO M2 M/951

O primeiro morteiro pesado M2 entrou ao serviço das forças dos EUA, em 1943, embora o primeiro morteiro de 107mm, o M1, tenha sido introduzido em 1928. O M2 entrou em serviço na Campanha da Sicília e com grande êxito, seguindo o acompanhamento da evolução da IIª Guerra Mundial até ao seu término. Fez ainda a Guerra da Coreia e a partir de 1951 foi, gradualmente, sendo substituído pelo morteiro M30, também de 107mm. No exército português foi nesta data que entrou ao serviço e acompanhou toda a campanha de África da guerra colonial.

MORTEIRO PESADO M2 M/951

Características desta arma

TIPO: Morteiro pesado
ORIGEM: EUA
CALIBRE: 107 mm
COMPRIMENTO DO CANO: 121,92 cm
PESO DO CANO:
PESO DO BIPÉ:
PESO DO PRATO BASE:
PESO TOTAL EM POSIÇÃO DE FOGO: 151 Kg
ALCANCE MÁXIMO: 4 000 m
ALCANCE MÍNIMO: 515 m
ALINHAMENTO DE TIRO: Recurso a aparelho de pontaria apropriado
CAPACIDADE DE FOGO: 5 gpm por 20 minutos.
FUNCIONAMENTO: Ante carga, com percutor fixo
MUNIÇÃO: Granada explosiva (11,1 Kg c/3,6 Kg TNT) e de fumos.

1.2.4. AS FORÇAS DO PAIGC

As forças dos guerrilheiros utilizavam morteiros médios e pesados de origem soviética, da china ou dos países satélites.
Enquanto o mundo ocidental utilizava como morteiro médio padrão o calibre 81mm, de origem francesa, os soviéticos e seus satélites enveredavam pelo modelo de 82mm. O primeiro morteiro médio soviético conhecido e difundido, mesmo após a II Guerra Mundial foi o M1937, seguindo-se o M1941, o M1941/42 e o M1943. De todos estes modelos os que tiveram maior expansão nos países comunistas foram o M1937 (Novo Modelo/Tipo) e o M1941 (82-PM-41). Por exemplo a China produzia o M1937 com o nome de Type 53.

1.2.5. O MORTEIRO MÉDIO M1937 (NOVO TIPO/MODELO)

O morteiro médio M1937 (New Type) tem origem na União Soviética, produzido nas fábricas estatais, em 1937. Fez a segunda guerra mundial, o conflito com a Finlândia e apoiou os movimentos comunistas na guerra da Coreia, em paralelo, especialmente, com o morteiro médio 82-PM-41.

MORTEIRO MÉDIO M1937, CALIBRE 82mm

Características desta arma:

TIPO: Morteiro médio
ORIGEM: URSS
CALIBRE: 82 mm
COMPRIMENTO DO CANO: 122 cm
PESO DO CANO: 19,6Kg
TAMANHO DO PRATO BASE: 50cm
PESO DO BIPÉ: 20Kg
PESO DO PRATO BASE: 21,3Kg
PESO TOTAL EM POSIÇÃO DE FOGO: 60 Kg
ALCANCE MÁXIMO: 3040 m
ALCANCE MÍNIMO:
ALINHAMENTO DE TIRO: Recurso a aparelho de pontaria apropriado (MPM-44)
CAPACIDADE DE FOGO: 15/20 gpm.
FUNCIONAMENTO: Ante carga, com percutor fixo
MUNIÇÃO: Granada explosiva (3,05 Kg) e de fumos.

Capa do Manual de Instruções do morteiro médio de 82mm M1943, em russo.

Em primeiro lugar, do lado esquerdo, granada de morteiro 82mm HE soviética ao lado de granadas do morteiro 50mm, do mesmo país.

1.2.6. O MORTEIRO PESADO M1938

O morteiro pesado M1938 de 120mm, com origem na antiga União Soviética, foi produzido com base no sistema do excelente morteiro pesado Brandt francês, de 120mm, de 1935. O M1938 generalizou-se pelas forças do Exército Vermelho, da China e dos seus satélites. Para se movimentar entre pequenas distâncias o morteiro era dividido rapidamente em três partes (cano, prato e bipé), para facilitar o seu transporte e recolocação. Para viagens mais longas todo o sistema fechava-se em si próprio e era colocado num reboque com rodas. A arma foi considerada tão boa que os alemães a copiaram (Granatwerfer 42), embora o modelo alemão tivesse um alcance maior. A arma foi usada em outros conflitos nomeadamente a guerra da Coreia e profusamente no Vietname.
Outro modelo de morteiro pesado foi o de 120mm M1943, que é semelhante ao modelo anterior, embora este último seja um pouco mais sofisticado. Foi também distribuído pelas forças do Pacto de Varsóvia, pela China e por outros países satélites.
Devemos também referir, a título de curiosidade, outros modelos de morteiros pesados na antiga União Soviética que foram o morteiro de 107mm M1938, semelhante ao de 120mm, mas destinado às tropas de montanha, mas sem ter a profusão de distribuição e a fama dos já mencionados e o morteiro de 160mm de 1943.
Em 1953 surgiu o morteiro de 240mm M-240, que necessita de uma equipa de nove elementos para operar e disparar uma granada por minuto.

MORTEIRO PESADO M1938 de 120mm

MORTEIRO PESADO 120mm M1943, no atrelado apropriado

Características desta arma:

TIPO: Morteiro pesado
ORIGEM: URSS
CALIBRE: 120 mm
COMPRIMENTO DO CANO: 185 cm
PESO DO CANO:
TAMANHO DO PRATO BASE: 100cm
PESO DO BIPÉ: 20Kg
PESO DO PRATO BASE:
PESO TOTAL EM POSIÇÃO DE FOGO: 170 Kg
ALCANCE MÁXIMO: 5700 m
ALCANCE MÍNIMO: 400m
ALINHAMENTO DE TIRO: Recurso a aparelho de pontaria apropriado (MPM-41/MP42)
CAPACIDADE DE FOGO: 12/15 gpm.
FUNCIONAMENTO: Ante carga, com percutor fixo/ou manual
MUNIÇÃO: Granada explosiva (15,4 Kg) e de fumos (16Kg) e Incendiária (16,7Kg).

1.2.7. OBSERVAÇÕES

Em termos técnicos de morteiros médios as forças equivaliam-se, embora me pareça que o Exército português tivesse mais morteiros 81mm no terreno do que as forças do PAIGC os morteiros 82mm. O morteiro 81mm era a arma preferencial de defesa dos aquartelamentos e era usado com grande à vontade, dado o denominado “jeito” natural que o soldado português tem pelo morteiro. De facto, embora houvesse nos aquartelamentos apontadores para esta arma, na maior parte das vezes muitos outros elementos eram ensinados a apontar com o morteiro, de forma a poderem dar uma resposta rápida em caso de ataque às instalações. Ou seja, o primeiro homem a chegar ao espaldão da arma, nem sempre era o seu apontador e, enquanto este não chegava, o outro ou outros iniciavam a reacção. Esta reacção era por vezes tão rápida que acontecia casos imprevistos, como o que relato a seguir.
Em 1 de Dezembro de 1972, o IN aproximou-se do quartel de Galomaro, sede do Batalhão de Caçadores 3872, pelo início da noite e a coberto de uma manada de animais que pastava um pouco para lá do arame. No entanto, por sorte e também atenção de uma das sentinelas, que desconfiada reagiu, atirando diversos tiros para a área onde estaria parte do dispositivo de ataque do IN, o que até provocou a ira do comandante, mas também o alerta do resto da companhia (CCS) e quando, logo em seguida, os guerrilheiros deram início à flagelação, a maioria já não foi apanhada tão desprevenida. Isto para falar da eficácia de elementos da enfermagem, que tendo saído do seu abrigo “caíram” no espaldão do morteiro 81 e iniciaram a reacção ao ataque. Ou seja, quem lançou as primeiras granadas do 81 foi um 1º cabo enfermeiro (André António), que depois foi auxiliado por outro 1º cabo enfermeiro (Augusto Catroga). A sua pronta reacção e o acerto da sua pontaria fizeram travar o ataque inimigo, que retirou com baixas confirmadas pelos rastos de sangue encontrados e por um guerrilheiro morto que enterraram já a alguma distância do aquartelamento.
No entanto, há algumas situações curiosas nesta reacção. O 1º cabo auxiliar enfermeiro que iniciou a resposta com o morteiro 81mm, saiu do seu abrigo passando por um buraco que, mais tarde, já não conseguiu atravessar (dedução: os ataques emagrecem ou a reacção engorda?). Depois, já no espaldão, foi tal a rapidez e a ânsia de ripostar que a primeira granada que lançou com o morteiro foi com cavilha e tudo (deve ter partido algumas cabeças no IN!), mas teve em seguida a calma para atirar certeiramente com a ajuda de outro camarada, pondo os guerrilheiros em rápida retirada. O outro pormenor interessante é que o guerrilheiro morto e por nós encontrado enterrado, era o enfermeiro do grupo atacante (tinha com ele a bolsa de enfermagem. Ironias do destino!).
Na verdade, pelo que observei também, os nossos apontadores não são lá muito de usar os aparelhos de pontaria, pelo menos nos morteiros 60 e 81, eram mais de usar o método do “olhómetro” e, muitas vezes, com bons resultados. Quase em todos os quartéis e nos espaldões dos morteiros, o pessoal colocava um sistema (estacas de madeira, ou simples anotações nos bidons que formavam o espaldão) que indicavam distâncias e nomeavam zonas a atingir em caso de ataque ao quartel e para onde viravam o morteiro, com a devida e já pré estudada inclinação. É claro que estes cálculos eram previamente testados.
No aquartelamento do Dulombi (CCAÇ3491), após os ataques do IN e consequentes respostas com os morteiros 81, deixávamos passar uma meia hora, ¾ de hora e lançávamos uma ou duas granadas com as cargas todas para as zonas que muitas das vezes o IN usava para proceder à retirada, para sentirem que não obstante estarem a uma distância do quartel que pudessem pensar estar a salvo, ainda lhes “mordíamos” os calcanhares. Ainda no Dulombi, durante uma das várias flagelações do IN, este atacou do lado onde ficava a tabanca da população (lado contrário ao seu uso e costume), o que obrigou a uma rotação dos morteiros de 180º. Na reacção, uma das primeiras granadas que foram lançadas em resposta, ainda com pessoal a correr para as valas, saiu, por defeito, meio em parafuso, em voo baixo e caiu no meio da parada, perto do monumento aos mortos da companhia dos “velhinhos” (CCAÇ2700), não rebentando. Isto deveu-se a ser uma granada de armar por inércia, não tendo conseguido projectar-se o suficiente para armar a percussão. Se fosse das outras, das de mola...!
O morteiro 81mm era, como já disse, mais usado em defesa dos aquartelamentos, mas também em algumas situações ofensivas e de protecção a operações de certa envergadura. (Explo: “Ao atingir o local, onde dias antes tinha sido o contacto com o IN, a CCav sofreu uma emboscada que lhe provocou 1 morto no primeiro tiro disparado com RPG. Imediatamente a seguir entraram em acção os morteiros 82, cujas saídas das granadas eram perfeitamente audíveis. A CCaç 2403, que pela primeira e última vez se fez acompanhar de um morteiro 81, abriu fogo sobre a posição bem referenciada dos do IN, o que, segundo informação do Aferes Mouzinho, acabou com o ataque dos morteiros IN. Apesar da utilidade do morteiro 81 nesta acção, revelou-se impraticável sobrecarregar o pessoal com esta arma quando já estava bem carregado com a sua arma, mais munições, água, ração de combate e as granadas para as bazucas e morteiro 60. Foi o maior contacto da Companhia com o IN”. Actividades da CCAÇ2403, na zona Leste/Rio Corubalo, relatada pelo seu então Capitão Hilário Peixeiro P8284, do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia).
O IN usava o morteiro 82mm em situações de defesa das suas áreas de implantação e transportava os morteiros para flagelar os nossos quartéis, mas nem sempre com muita eficácia. Infelizmente numa das vezes que foram eficazes foi contra o quartel de Cancolim, em Março de 1972, onde estava a CCAÇ3489, do meu Batalhão (BCAÇ3872), que tinha chegado à Guiné em 24 de Dezembro de 1971 – éramos ainda muito “periquitos” - em que uma granada de morteiro 82mm acertou num cruzamento de valas, matando três camaradas, o que não era muito usual, mas aconteceu.
Os morteiros pesados eram mais usados em defesa de aquartelamentos, isto no caso dos portugueses, porque os elementos do PAIGC, para além de flagelações com eles colocados em bases quer no Senegal, quer na República da Guiné-Conacri, conseguiram introduzir em território da Guiné morteiros 120mm para os apoiar em ataques e flagelações aos nossos aquartelamentos, sendo que, alguns deles, foram apreendidos pelas nossas forças. Sabe-se que, usualmente, os morteiros 120mm eram dos modelos referenciados M1938 ou ainda M1943.
As forças portuguesas chegaram a usar em seu proveito morteiros 82mm e 120mm apreendidos, aliás como o IN também chegou a usar morteiros nossos, (mais as nossas granadas). Havia até a ideia, que os soviéticos tinham calibrado o seu morteiro médio para 82mm a fim de usar as granadas inimigas e ocidentais que eram de 81mm. Com certeza que os morteiros 82 podiam usar as nossas granadas, com uma pequena diferença no seu diâmetro, só que essa pequena diferença, era suficiente para deixar alguns gases escaparem pelo pequeno intervalo, entre o projéctil e o cano, alterando a estabilidade do projéctil e consequentemente a sua direcção e mesmo o seu alcance.
A força de impacto de um projéctil de um morteiro pesado deve ser aterrorizante para quem está debaixo desse intenso fogo. As guarnições de Guidage, Gadamael, Guileje em 1973 e Canquelifá em 1974 (entre outras), conheceram bem o poder das granadas do morteiro 120mm usado pelo IN.
O Exército português recebeu em 1974 morteiros calibre 120mm Tampella B M/74, de origem finlandesa - desconheço se ainda foram colocados em África e já em 1986, entrou ao serviço o morteiro médio 81mm da Royal Ordnance (actual BAE Systems) L16A2 M/86, de origem inglesa.


1.3. OS CANHÕES SEM RECUO


Os canhões sem recuo (CSR) são um tipo particular de canhões, com uma retro-abertura que permite a saída dos gases provocados pelo disparo da sua munição, não tendo, deste modo, o habitual recuo da arma que surge nos canhões convencionais. Os CSR eram, essencialmente, usados como arma anti-carro, contudo, a partir dos anos 70 (segundo alguns autores), foram sendo substituídos nesta tarefa pelos mísseis anti-carro. Posteriormente, os CSR ligeiros passaram a ser utilizados como arma de apoio da infantaria, nos combates contra veículos blindados ligeiros e anti-pessoal.
A primeira arma sem recuo foi desenvolvida pelo Comandante Cleland Davis, da Marinha dos EUA, um pouco antes do 1º conflito mundial. O seu projecto denominou-se “Davis Gun”.
A União Soviética desenvolveu a partir de 1923 o DRP (Dinamo Reaktivna Pushka – Canhão de Reacção Dinâmica). Na década de 30 foram testadas diversas armas, com calibres que variavam entre o 37mm e o 305mm, e os modelos mais ligeiros foram colocados em aeronaves (Grigorovich IZ e Tupolev I-12). O CSR mais conhecido foi o modelo de 1935, de 76mm, desenhado por Leonid Kurchevsky, que num pequeno número foram montados em camiões e usados contra os finlandeses. Estes apreenderam dois deles e ofereceram um aos alemães.
Durante a IIª Guerra Mundial os canhões sem recuo não se desenvolveram por aí além, aperfeiçoaram-se antes os Lança Granadas Foguete (alemães, americanos e depois os russos), no entanto na Guerra da Coreia os CSR apareceram em força no Exército dos EUA, nos calibres 57mm, 75mm (estes já vinham da II GM e seriam também usado na Guerra da Coreia) e o M27 de 105mm, que não teve êxito (usado na Guerra da Coreia). Posteriormente surgiu o modelo M40, em 106mm (Vietname) e M67, em 90 mm (Vietname). Os Soviéticos também apostaram nos anos 50 na tecnologia dos canhões sem recuo, surgindo modelos nos calibres 73mm, 82mm e 107mm. Os ingleses também investiram neste tipo de arma (Mobat e Wombat, ambos no calibre 120mm). Actualmente, um dos mais conhecidos CSR é o Carl Gustav, de origem sueca, que teve o seu início em 1946 e que foi evoluindo tornando-se uma das armas das forças da NATO (o exército português tem hoje ao seu serviço o CG M2-550, no calibre 84mm).

Como funciona o disparo de um CSR:

1º Momento: O projéctil e a arma;
2º Momento: O projéctil é inserido na culatra da arma pela retaguarda;
3º Momento: Dá-se o disparo;
4º Momento: A força dos gases da carga propulsora projecta a granada ao longo do cano, saindo para o exterior. Os gases expelidos saem pelos buracos existentes no invólucro e depois pela parte posterior da arma, criando um cone de fogo.

Imagem recolhida da wikipédia, com a devida vénia

1.3.1 AS FORÇAS PORTUGUESAS

O Exército português possuía os canhões sem recuo (CSR) M18, no calibre 57mm (no EP CSR 5,7cm M/52), de origem EUA, que surgiu em 1945, o M20, no calibre 75mm (no EP 7,5cm M/52), também surgido nos finais da II GM e o M40, surgido em meados dos anos 50, no calibre 106mm (no EP 10,6cm) - embora verdadeiramente fosse do calibre 105mm, mas para não se confundir com o M27, ficou conhecido por 106.
Os canhões sem recuo não terão sido muito usados pelas forças portuguesas, isto em termos ofensivos, mas o CSR Ligeiro 5,7 cm, o CSR 10,6 cm e CSR´s apreendidos às forças IN, mormente o famoso B10, foram usados para defesa de aquartelamentos, ao contrário, o PAIGC usava-os com frequência.

1.3.2. O CANHÃO SEM RECUO M40 DE 106mm (10,6 cm)

O canhão sem recuo (CSR) M40 de 106mm fabricado pelos EUA evoluiu do CSR M27, do início dos anos 50, no calibre 105mm, mas que se revelou um flop, pelo que veio a ser substituído pelo M40, já em meados dos anos 50, mantendo-se o mesmo calibre, embora fosse apelidado de 106mm, para não se confundir com o anterior. O CSR M40 foi usado na guerra do Vietname e em conflitos posteriores, embora como arma anti-carro tenha sido substituída nas forças norte-americanas, pelo sistema anti-tank BGM-71 TOW. Hoje em dia, no conflito da Líbia, vêem-se as forças rebeldes com este tipo de CSR, montado em jipes, usando-o quer em tiro directo, quer em fogo indirecto.
O CSR M40 tem colocado no topo uma arma de calibre 12,7mm, denominada M8 e do lado esquerdo do canhão tem uma roda para afinação da elevação da arma, tendo no centro da mesma o gatilho. Quando este é puxado, dispara a M8, quando é empurrado dispara o canhão. A espingarda serve para verificar se o tiro do canhão está centrado no alvo a atingir. A arma está assente num tripé ou pode ser montada em diversos tipos de viatura para uma melhor rapidez de movimentação e utilização (Jeep M151, Land Rover Defenders, M113, Mercedes Benz G Wagen, HMMWVs, Toyota Land Cruisers, AIL Storms, etc. A arma foi adquirida por mais de 50 países, em especial os que tinham ligação aos EUA.

Canhão Sem Recuo M40 de 106 mm (CSR 10,6 cm) * Foto Recolhida do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia.

Características desta arma:

TIPO: Canhão Sem Recuo (pesado) CSR 106mm
ORIGEM: EUA
ANO: 1954
CALIBRE: 105 mm
COMPRIMENTO: 3,040m
PESO: 209,5 Kg
ALTURA: 1, 12 m
ALCANCE MÁXIMO: 6870 m
ALCANCE PRÁTICO: 1350m
CAPACIDADE DE FOGO: 1 gpm
ALINHAMENTO POR APARELHO DE PONTARIA: Colocado do lado esquerdo da arma, ao lado da espingarda M8.
FUNCIONAMENTO: O projéctil está ligado ao cartucho perfurado, como numa munição de arma ligeira, para um melhor alinhamento, carregamento e extracção do cartucho. O cartucho está perfurado para melhor saída dos gases, após o disparo, evitando o recuo da arma.
MUNIÇÃO: Granada explosiva HEAT 106X607mm
VELOCIDADE DE SAÍDA: 503 m por segundo (podendo penetrar 400 mm de blindagem).

Granada Explosiva para CSR M40 10,6 cm

O CSR M40 10,6 cm colocado num Jipe. Buruntuma 1973.

1.3.3. AS FORÇAS DO PAIGC

As forças do PAIGC tinham diversos CSR, oriundos da União Soviética, da China e dos seus países satélites. O mais famoso dos seus canhões sem recuo, muito usado nas matas da Guiné foi o CSR B-10.
O B-10 (Bezotkatnojie orudie-10), também conhecido na antiga Alemanha de Leste por RG82, foi desenvolvido a partir do CSR SPG-82 da União Soviética, da IIª GM, entrando ao serviço em 1954, mantendo-se até meados dos anos 60, quando foi substituído pelo CSR SPG-9, embora se mantivesse ao serviço das forças pára-quedistas, até aos anos 80. Não obstante ser, agora, obsoleto, foi usado por muitos países durante o período da guerra fria.
O princípio da arma é semelhante aos CSR e consiste num cano comprido e largo, com um aparelho de pontaria do tipo PBO-2 (aumento de 5,5X para tiro directo e aumento de 2.5X para tiro indirecto), colocado na lateral esquerda. A arma encontra-se montada numa armação com duas rodas, que podem ser retiradas e possui um tripé integrado e uma pequena roda no extremo do cano, para prevenir que toque o chão, quando está a ser rebocado. Pode ser atrelado a um veículo ou puxado pelos 4 homens necessários para o seu manejo, através das pegas colocadas em cada lado do cano. O disparo dá-se através de um gatilho colocado à direita da arma.
Existem duas versões chinesas para a arma, a Type-65, com um peso de 28,2 Kg, com tripé, mas sem rodas e o Type 65-1, que se pode separar em duas partes para um mais fácil transporte para longas distâncias.

CANHÃO SEM RECUO B-10

Características desta arma:

TIPO: Canhão Sem Recuo CSR B-10
ORIGEM: União Soviética
ANO: 1954
CALIBRE: 82 mm
COMPRIMENTO: 1,660m
PESO: 85,3 Kg (71,7 Kg, sem rodas)
ALTURA:
ALCANCE MÁXIMO: 4500 m
ALCANCE PRÁTICO: 400m
CAPACIDADE DE FOGO: 5 gpm
ALINHAMENTO POR APARELHO DE PONTARIA: Colocado do lado esquerdo da arma e a funcionar por sistema óptico.
FUNCIONAMENTO: Percussão do cartucho, após carregamento por abertura da culatra.
MUNIÇÃO: Granada explosiva HEAT Bk-881 de 3,6 Kg ou HE de 4,5Kg
VELOCIDADE DE SAÍDA: (pode penetrar até 240mm de blindagem)

1.3.4. OBSERVAÇÕES

Os canhões sem recuo não foram usados pelas nossas forças da mesma forma que os usados pelo PAIGC. Na verdade, embora conste a formação de pelotões para utilização do CSR 5,7cm, para a Guiné, não sabemos se terão efectivamente actuado na nossa frente de luta. Quanto ao CSR 10,6 cm, esse era usado, no tempo em apreciação, em situação defensiva, montado em jipes, assegurando a defesa de alguns aquartelamentos. Era uma excelente arma e montado no jipe poderia ser deslocado para acorrer a zonas do quartel que estivessem a sofrer um ataque. Poderia também ser usado em escoltas, em situações operacionais que o seu uso fosse ponderado (no entanto, nas zonas por onde andei, nunca vi nenhum ser utilizado desse modo). Sei que em aquartelamentos maiores a arma montada no Jipe era transportada, às vezes debaixo de fogo, para a zona de onde o IN estava a lançar o ataque, por quem era responsável pela arma.
O nosso camarada Luís Borrega referiu no Facebook (Grupo de Ex-Combatentes Restrito de Galomaro) o seguinte e que manifesta a forma com o nos desenrascávamos na utilização deste meio e que reproduzo com a devida vénia: “Nós em Pitche tínhamos um Canhão S/R, montado num Jeep, mas tínhamos um réplica feita com tronco de árvore, montado igualmente noutro Jeep. Ambos estavam tapados com lonas e os habitantes da Tabanca não sabiam qual era o verdadeiro e o falso. À noite o comandante de um abrigo periférico (Fur.) era chamado e era-lhe comunicado que o CSR seria posicionado nessa noite nesse abrigo. Todos os dias havia um “roulement” para atribuir o CSR”.
Podemos aqui notar, também, da mesma forma que para o morteiro 81mm, havia a necessidade de instruir mais pessoal para utilizar este tipo de arma, de forma a retirar rendimento da mesma.
O PAIGC utilizava essencialmente o CSR para defesa das suas instalações, mas também para flagelações aos nossos aquartelamentos e, por vezes, em emboscadas às nossas tropas, seja a colunas auto, seja a elementos apeados.
Em 14 de Dezembro de 1972, encontrava-me em Bolama, num Curso de Unidades Africanas, dirigido pelo então Major Coutinho e Lima (que viria a ser conhecido, mais tarde, por ter ordenado a retirada das nossas forças de Guileje) e, nesse dia, chegara um Batalhão de “periquitos” para efectuar o IAO. Como parece que era, às vezes hábito, o IN (grupo comandado pelo Nino) resolveu “brindar-nos” com uma flagelação ao princípio da noite, executada, entre outras armas, com canhões sem recuo. Encontrava-me na messe e lá “voei” para debaixo do edifício que era do tipo colonial, a ver se aquilo passava. Nunca tinha sofrido um ataque por meio de CSR e o que me impressionou foi ouvir o estampido de saídas e praticamente logo ouvíamos o rebentamento de uma granada. Enquanto nas saídas de morteiros nós ouvíamos os “blop!” e depois a ansiedade de onde iria cair, até ouvir-se o rebentamento No caso do CSR não dava tempo, era como se dizia: “boom!”, “boom!”. Neste caso, a flagelação sofrida provocou feridos ligeiros, mais por acidentes, entre a malta do batalhão acabado de chegar. O pessoal que estava ao rádio aquando da flagelação referiu que se ouvia as transmissões do IN, em espanhol (presumivelmente seriam cubanos a orientar o ataque). No dia seguinte, numa das palmeiras lá estava o impacto de uma “canhoada”, que até vinha bem dirigida, senão fosse a tal palmeira.
Em 17 de Abril de 1972, os guerrilheiros do PAIGC, comandados por Paulo Malu, emboscaram uma coluna da CCAÇ 3490 (Saltinho), na zona do Quirafo, recorrendo nessa acção à utilização de um CSR e foi o que já muito foi falado, uma das mais duras emboscadas, em termos de perdas de vidas, de toda a guerra na Guiné.
O CSR B-10 era uma excelente arma e relativamente manobrável para aquele tipo de cenário, daí o recurso ao seu uso por parte dos guerrilheiros. As forças portuguesas também utilizaram estes CSR´s (apreendidos) mas sempre no sentido defensivo.
Não esquecer que o uso deste tipo de armamento requeria os cuidados semelhantes aos que se tinham com os LGF, ou seja, aquando do disparo da arma, ninguém podia estar atrás da mesma, por causa do cone de fogo que lançava à retaguarda.
Luís Dias

Nota do autor: Na recolha para este trabalho foram coligidos elementos, material e fotos, com a devida vénia, da Wikipédia/Internet; Infantry Weapons of the World, da Brassens, Editor J.L.H. Owen; Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, Edição Diário de Notícias; Modern Firearms & Ammunition Encyclopedie; Gunpédia; Probertencyclopaedia.com; Guerra Colonial.org/gallery.



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