sexta-feira, 20 de maio de 2011

A VIDA E A MORTE NA PONTA DE UMA VARA


Elementos do 4º GC da CCAÇ3491 a efectuarem a picagem Dulombi-Galomaro (época das chuvas).

Picagem do PEL REC/CCS na estrada Galomaro-Dulombi (época das chuvas)

Elementos do PEL REC/CCS a efectuarem a picagem Galomaro-Dulombi

A Berliet do Juvenal na Picada do Dulombi a ser momentaneamente conduzida pelo Fur. Soares da CCAÇ3491 (época das chuvas)


PUBLICADO NO BLOGUE DO LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ (Com a devida vénia)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 18 de Maio de 2011:

Caros camaradas Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande

A malta que passou por Galomaro tem uma página no Facebook onde, independentemente da altura em que lá estiveram, há uma constante e salutar troca de impressões, conhecimento e recordações.

Algumas dúvidas aparecem sobre este ou aquele acontecimento, que são prontamente esclarecidas. Também as fotos quartel de Galomaro no inicio da sua construção, se cruzam com as mais recentes. Também as Companhias de Cancolim, Dulombi e Saltinho têm sido largamente faladas, pois nós não podemos esquecer esses sítios, uns com mais bons momentos que os outros, na verdade mas mesmo assim relembrados aqui e ali.

Ontem o nosso camarada Luís Dias membro do blogue, com o qual acabei por dividir a construção deste texto, postou uma foto sobre a árdua e perigosa tarefa da picagem, neste caso do grupo de combate que vinha do Dulombi ao encontro da coluna que progredia de Galomaro.

Ao ver as fotos, achei graça porque eu tenho as fotos das picagem desta feita pelo Pel Rec da CCS, pois lhes calhou nesse dia fazer esse ingrato trabalho para a nossa segurança. O fotógrafo foi o mesmo sem dúvida nenhuma, o ex Furriel Carvalho do Dulombi segundo a informação do Dias.

Quem duvidará da coragem dos homens, que sabiam que um passo em falso seria a morte ou o ferimento grave que estava ali? Ainda se tinham que preocupar com as artimanhas e os avanços tecnológicos na arte de matar, que houve na evolução desse perigosos engenhos e com a esperteza dos «semeadores» que usavam por vezes o rodado mais de dentro ou mais de fora. Apanhavam assim as viaturas mais pequenas, com o rodado mais estreito que as Berliet. Penso ter sido o caso da que apanhou o nosso camarada Falé a caminho do Dulombi.

Assim as varas com a ponta em ferro foram substituídas por pontas em osso, chifre, ou simples madeira, para que as minas, denominadas de papel, não explodissem ao toque da ponta de metal (a ponta de metal furava duas placas de papel de prata/alumínio fazendo a ignição da mina).

Quem já tinha passado pela dolorosa experiência de ver morrer um camarada ou ver outro voar com a viatura, pensaria duas vezes a cada passada e cada espetadela da vara no chão.
Era o caso destes camaradas que já tinham passado por isso, mas a cada nova coluna, lá voltavam eles a pegar nas varas e tentar assim, que houvesse segurança para quem seguia um pouco mais atrás.

A VIDA E MORTE NA PONTA DE UMA VARA

A morte estava ali a cada passo
Não se podia ignorar
Não se podia recusar nem voltar atrás
Mão firme pensamento presente
A cada passada o arrepio do toque lúgubre
Era uma pesca mortal
Ao pescador não se era permitido errar
Quando regressar pagará aquela promessa
De repente a ponta resvala em algo
Um misto de orgasmo e terror
Percorre o corpo do infante
Estava ali, desta vez descoberta a malvada
Vamos rebentar com ela!
E desta vez a vida derrotou a morte.

A todos os camaradas que passaram por esta horrível, mas tão necessária prática.

Um abraço a todos
JA

PS: A picagem do troço a partir do Dulombi, iniciava-se, praticamente, poucos metros após a saída do quartel, enquanto o troço contrário iniciava-se antes da entrada da zona do Rio Fanharé, ou seja alguns quilómetros após saída de Galomaro.

Para completar e ainda referente aos nossos picadores, transcrevo parte de um poema do Luís Graça "Esquecer a Guiné", escrito em Bambadinca, em 13/2/71 e publicado no Blogue da Tabanca Grande, em 15/6/05, com a devida vénia para o autor e para o blogue.Lembrei-me das primeiras vezes que percorríamos a picada do Dulombi e quando passávamos o cruzamento com a picada para Mondajane (que no nosso tempo já não era usada), havia uma árvore onde se podia ainda ver farrapos de uma farda de alguém que ali perdeu a vida devido a uma mina anti-carro (ao que parece pertencia a uma companhia madeirense, segundo relato no blogue de um elemento da CART2339, que também seguia nessa coluna).

Um lenço de pescoço,
Desbotado, pelo sol, no ramo de uma árvore.
Um homem, um picador,
Que se desintegrou com uma mina à cabeça.
Uma mina anticarro.
Sobrou o lenço, vermelho,
Que ficou pendurado no alto de uma árvore.
Na estrada para Mansambo.
Eu costumava olhar para o teu lenço,
Picador e guia das nossas tropas,
Sempre que fazia segurança
Às colunas de reabastecimento
Que se dirigiam a Mansambo, Xitole e Saltinho.
Nunca soube o teu nome.
Nunca perguntei pelo teu nome.
Nunca me interessei por saber o teu nome.
Sei apenas que nesse dia
Ias ganhar manga de patacão
Por detectares e desmontares
Uma mina anticarro.
LG

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