Camaradas e Amigos
Hoje acordei com uma data a martelar-me a cabeça, sonhei com ela. Hoje é dia 12 de Janeiro de 2011 e faz precisamente 40 anos que ingressei na vida militar.
Há quatro décadas, um mês depois de fazer 20 anos, de mala feita e cabelo cortado curto,(na altura usava-o bastante comprido) juntamente com o meu amigo de infância João Ribeiro, apanhávamos o comboio em Santa Apolónia, deixando para trás a família, os nossos amigos, o nosso bairro de Alfama e partíamos para uma vida diferente, desconhecida, apresentando-nos no chamado "Destacamento" da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
A recruta no EPC foi muito dura, com muito frio, muita chuva e especialmente com muita lama, que nos decorava o fardamento e se ia soltando, uma parte, devido ao batimento compassado das nossas botas, no asfalto das ruas de Santarém, quando em passo de corrida regressávamos da denominada zona de terraplanagem. Por vezes, para conseguir que ela saísse chegávamos a passar pelos chuveiros fardados. A ginástica matinal em plena parada, em camisa interior, num Janeiro gélido, era uma prova que nos acordava de forma inigualável para o resto do dia. Lembro-me da instrução nocturna em noites de chuva forte, em que colocávamos jornais entre a camisa interior e a farda, para não sentir-mos tanto a força da água que nos castigava a pele e nos deixava enregelados. Andávamos quase sempre molhados e eu passei a odiar (e ainda hoje não gosto) sentir a roupa molhada junto ao corpo (ainda não sabia o que me havia de esperar na Guiné!!!). A prova do salto para o desconhecido - uma queda numa ribeira de águas de esgotos, o acordarem-nos de madrugada com os gritos: "Têm 5 minutos para formarem na parada!" e as contínuas corridas equipados de G3 e capacete, para baixo e para cima do vale de Santarém eram momentos bem sentidos. Havia, como se costuma dizer, toda uma panóplia de exercícios e corridas que nos iam deixando de rastos. Todos os minutos de intervalo eram por nós aproveitados para dormitar um pouco. O rigor das formaturas para ir de fim-de-semana (cabelos, barba, fardamento) e a acção psicológica dos altifalantes nas casernas a debitarem música militar e conselhos para nos deitar o moral abaixo, aliado à má alimentação, era tudo bem organizado para nos lixar a vida, nos despersonalizar.
Eu e o meu amigo João, juntamente com outro rapaz (Tavares) que conhecíamos da Escola Comercial Patrício Prazeres, ficámos no mesmo pelotão (2º) e no 5ºesquadrão: O João era o número 311, eu o 312 e o Tavares o 313 (éramos inseparáveis). Engraçado é que este número de ordem que me foi atribuído no ingresso no quartel fazia parte do meu número mecanográfico - o nº 03127471 - e o resto do número colocado ao contrário 71-74,em vez de 7471, foram os anos que eu vivi na tropa, ou seja, entrei em Janeiro de 1971 e saí em Abril de 1974 (uns dias antes do 25 de Abril).
Terminada a recruta cada um foi para seu lado. Eu fui fazer a especialidade de atirador, como cadete, para a Escola Prática de Infantaria, em Mafra, o meu amigo João seguiu para Tavira, para tirar a especialidade de armas pesadas e o nosso amigo Tavares já não recordo para onde foi porque nunca mais o vi.
Em 18 de Dezembro desse ano, já como Alferes Miliciano, embarquei para a Guiné, integrando a CCAÇ3491 "É muito..!", do BCAÇ3872, donde regressaria em 4 de Abril de 1974.
O meu amigo João Ribeiro foi mobilizado para Moçambique, em 1972, como Furriel Miliciano (zona de Mueda), integrando a CART3503 "Unidos e firmes", do BART3876, donde regressou já depois do 25 de Abril.
Se eu e o João já éramos amigos, a recruta cimentou ainda mais esta amizade, que tem prevalecido ao longo da nossa vida. Conheço a sua esposa, a Clara, também dos tempos da Patrício Prazeres, embora sendo uns anitos mais nova que nós, a sua encantadora filha, a Vera e agora o ai Jesus de toda a família, a neta, a Joaninha, de 3 anos de idade.
Somos filhos únicos, ambos de Lisboa, do mesmo bairro, de pais simples, mas gente boa, de carácter,famílias respeitadas no bairro, daqui resulta que eu considero o João o irmão que não tive(irmão mais velho, é certo - nasceu em Setembro e eu em Dezembro!Eh!Eh!Eh!) e julgo ter da sua parte a mesma afeição. É uma amizade para toda a vida que se tem estendido às famílias.
Há apenas uma coisa que nos divide, eu sou lampião e o João é um lagartão do caraças!O que se há-de fazer? Mas para lhe chatear a cabeça já lhe basta o genro, o Joel que, além de excelente pessoa, é um grande benfiquista.
É claro que esta data tinha de ser lembrada, assim, de manhã telefonei ao João, que estava a tomar o seu café em Oeiras e a ler o jornal e disse-lhe se ele já tinha a mala feita. Com algum espanto perguntou-me para quê e foi então que lhe dei a novidade da lembrança deste dia....Pelo menos sempre ficou mais descansado que, no dia de hoje, já não precisava de ir para a tropa!E sempre rimos um bocado...!!!
Como o tempo passa....!!!! Éramos uns jovens!!! Ai amigo João, meu irmão, como tudo isto parece que foi ontem e já se passaram quatro décadas. Brindemos à nossa saúde, às nossas famílias, à nossa amizade e continuemos a acreditar que o futuro será risonho.
Um abraço a todos
Luís Dias
O Grupo de Alfama no EPC-Janeiro de 1971
Em cima e da Esq. p/Dta:João, Serra e Luís
Em baixo e da Esq. p/Dta:Costa e Nunes
Esq p/dta: Tavares,Luís e João-EPC (Destacamento)-1971
Esq p/ Dta: Luís e João na recruta no EPC-1971
Juramento de Bandeira no EPC - Abril de 1971
Luís & João, de férias em Manta Rota
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2 comentários:
Um abraço, eu sou do 2º turno de 1970 e também andei na Patrício Prazeres. estamos a reunir os amigos no FACEBOOK onde temos uma páginas com centenas de antigos alunos. eu morava perto do Campo de santa Clara e tinha amigos em Alfama:Por exemplo o Taúcha.
Um abraço
Lembro o dia 4 de Abril de 1974.O Niassa acostava o Cais,em Lisboa,e eu tinha 14 anos.Meu irmão tinha partido em Dezembro de 1971 rumo á Guiné.
Eu estava lá em 4 de Abril.Meu pai,Estivador no Porto de Leixões,conhecia o Niassa de ponta a ponta e queria entrar.Um polícia não deixou.Meu irmão Avelino,1º Cabo 11880971 foi dos últimos a saír.Eu vi o mano Lino na escada do navio e gritei.O mano veio a correr e abraçou-me e beijou-me e ao nosso pai.O nosso saudoso pai era valente.Estivador dos duros.Conspirava contra o Regime com o seu amigo Padre Firmino.Foi o delírio.
Meu irmão chamou "um Alferes" de que não sei o nome e beberam os dois por um garrafão um tinto muito nosso.O "Alferes "tirou a boina e ajoelhou bebendo.Nunca me esqueci disto e já tenho 52 e o mano Avelino tem 60.
Meu pai gritava:
" Os nossos filhos já cá estão".
Minha cunhada e o filho do meu mano ficaram em Matosinhos.
Meu caro Luís Dias meu irmão nunca soube destes vossos encontros com toda a certeza.
Estou a prepará-lo.A vida dele tem sido dura.
Um abraço em nome do Avelino 1º Cabo.
Augusto Martins
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