domingo, 11 de abril de 2010

INAUGURAÇÃO DA PLACA TOPONÍMICA DA AV. MARECHAL ANTÓNIO DE SPÍNOLA, EM LISBOA - OS MEUS CONTACTOS COM O COMANDANTE-CHEFE

Spínola na inauguração das instalações do renovado quartel do Dulombi, em Abril de 1972. Com o General está o Cap. Milº Fernando Pires, comandante da CCAÇ3491 e mais atrás o Alf. L. Dias.
O Editor (Luís Dias) junto da nova toponímia da cidade de Lisboa (Em 11 de Abril de 2010)

A chegada de Cavaco e Silva e comitiva ao local onde se iria realizar a cerimónia


A tribuna das altas individualidades, onde se encontrava o General Almeida Bruno, sentado na primeira fila, onde é o quarto a contar da esquerda e que lançou a polémica entre os combatentes das Guiné, após as suas infelizes declarações no documentário do jornalista Joaquim Furtado, sobre a guerra naquele território)

Cerimónia do descerramento da placa com o nome do Marechal António de Spínola, com o Presidente da República, o Ministro da Defesa e o Presidente da Câmara.

O descerramento da placa por Aníbal Cavaco e Silva e António Costa

António de Spínola - Presidente da República Portuguesa


Caros Camaradas

O Marechal António de Spínola, que foi o nosso Comandante-Chefe, durante a maior parte da nossa comissão na Guiné, foi hoje homenageado, dia do centenário do seu nascimento, com o descerramento de uma placa toponímica que deu nome a uma nova avenida da capital, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República, o Professor-Doutor, Aníbal Cavaco e Silva.
A homenagem foi da iniciativa do Presidente da Câmara de Lisboa, Dr. António Costa, contando com a presença do Ex-Presidente, General Ramalho Eanes, com as Chefias Militares, da PSP e da GNR.
Discursaram o sobrinho do Marechal, o seu antigo chefe da casa civil, o Presidente da Câmara de Lisboa e o Presidente da República. Do resumo dos discursos todos destacaram a coragem, a dignidade, a sua personalidade, o seu empenho e o amor à Pátria. Afirmou o Chefe do Estado:
Como todas as grandes personalidades, António Sebastião Ribeiro de Spínola foi uma figura controversa que suscitava paixões. O seu carisma não deixava ninguém indiferente. Portugal concedeu-lhe as mais altas distinções, mas não estou certo que tenhamos sempre estado à altura do exemplo de vida que nos legou.
António Spínola nasce em Estremoz, em 11 de Abril de 1910, no ano da implantação da República. Foi aluno do Colégio Militar entre 1920 e 1928 e entra para a Escola de Guerra em 1930. Em 1939 torna-se Ajudante de Campo do Comando da Guarda Nacional Republicana. Em 1941 partiu para a frente russa como observador das movimentações do exército alemão no início do cerco a Leninegrado.
Em 1955 é nomeado administrador da Siderurgia Nacional, sem, contudo, largar a carreira militar.
Em carta dirigida pessoalmente a Salazar, em 1961, oferece-se como voluntário para combater em Angola, onde se notabilizou no comando do Batalhão 345, entre 1961 e 1963.
É nomeado Governador-militar da Guiné em 1968 e reconduzido em 1972. Obtém um grande prestígio, quer junto dos militares, quer junto das populações africanas, em especial devido à organização dos Congressos do Povo e a uma política de respeito pela individualidade das diversas etnias guineenses e à associação das autoridades tradicionais à administração. Em diplomacia, chegou a manter contactos secretos com o então presidente do Senegal, Leopoldo Senghor e a tentar que quadros do PAIGC integrassem o lado português, mas militarmente continuou a guerra com todos os meios ao seu dispor, apoiando, por exemplo, uma invasão por mar da capital da Guiné-Conakri, com opositores daquele país, apoiados por comandos e fuzileiros especiais africanos (Operação Mar Verde - 1970) e também a incursão a uma base IN no Senegal (Operação Ametista Real, em 1973), destinada a aniquilar ou desarticular as forças do PAIGC que pressionavam a zona Guidage-Bigene.
Em Maio de 1973 o PAIGC está empenhado em atacar as posições portuguesas dos três G´s; Guidaje a norte, Guileje a sul e mais tarde Gadamael, também a sul. As forças portuguesas passam por dificuldades, em virtude do surgimento dos mísseis "strella", que abatem vários aviões da nossa força aérea. Em Guidaje as forças portuguesas conseguem resistir, sofrendo dezenas de baixas, mas conseguindo estancar o avanço do PAIGC sobre aquele aquartelamento.
No entanto, em Guileje, a situação seria diferente e, por exemplo, entre os dias 18 e 21 de Maio, o aquartelamento iria sofrer 40 flagelações da artilharia dos guerrilheiros. As condições de vida no quartel deterioram-se rapidamente (cerca de 500 pessoas dentro dos abrigos, com água racionada e sem meios rádio) e, por decisão do então Major Coutinho e Lima, os portugueses retiram para Gadamael, na manhã do dia 22 de Maio, onde conseguiram chegar incólumes. O PAIGC, então, atira as suas forças contra este último aquartelamento sobrelotado, em 1 de Junho. Os ataques irão continuar e prolongar-se até finais do mês de Julho. As forças pára-quedistas foram importantes quer na defesa de Guidage (C121) e em Gadamael (C122), ajudando a manter as posições. A resistência irá custar aos portugueses 24 mortos e 150 feridos, mas o aquartelamento salva-se.
O Comandante-chefe soube resistir à ofensiva das forças do PAIGC, mas sabia que necessitava de mais reforços e de armamento mais moderno. O governo não o atendeu nas pretensões e aproveitando uma acalmia militar no território goza um período de férias na metrópole em Agosto e já não aceita ser reconduzido, não voltando mais a Bissau.
Em Novembro de 1973 não aceita um convite de Marcelo Caetano para ser Ministro do Ultramar.
Em Janeiro de 1974 é nomeado vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por sugestão do General Costa Gomes, cargo de que foi afastado em Março, após o Golpe das Caldas.
Em 22 de Fevereiro publica o livro "Portugal e o futuro", que é uma lufada de ar fresco no cinzentismo da política nacional, ali defendendo o fim da guerra colonial e a liberalização do regime.
Em 25 de Abril de 1974 e como representante do Movimento das Forças Armadas, recebeu no Largo do Carmo, Quartel General da GNR, do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a rendição do governo. Este acto, de certo modo, irá permitir-lhe assumir poderes públicos, apesar de não ter sido essa a intenção do movimento dos capitães.
Presidiu à Junta de Salvação Nacional (que passou a deter a condução do Estado, após a Revolução dos Cravos) e foi escolhido pelos seus camaradas para o cargo de Presidente da República, cargo que ocupará de 15 de Maio de 1974 até à sua renúncia em 30 de Setembro do mesmo ano, sendo substituído pelo General Costa Gomes.
Ligado aos acontecimentos de 11 de Março, Spínola foge para Espanha e depois para o Brasil.
Em 1987, o então Presidente da República, Mário Soares, designou-o Chanceler das Antigas Ordens Militares Portuguesas e condecorou-o com a Grã Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada (a maior insígnia militar portuguesa), pelos feitos de "heroísmo militar e cívico e por ser um símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República, após a ditadura".
Em 13 de Agosto de 1996, em Lisboa, Spínola morre, vítima de embolia pulmonar, aos 86 anos de idade.

O meu primeiro contacto com o então General Spínola deu-se uns dias depois da chegada do Batalhão de Caçadores 3872, à Guiné, - no qual fui incorporado para o Ultramar - na parada de recepção e apresentação de boas vindas que se realizou no Cumeré, em 26 de Dezembro de 1971, o General proferiu um discurso vivo, apelando ao nosso amor pátrio ("....que a boa estrela vos guie..!").

O segundo contacto foi ainda no início da comissão, mas já no terreno, na Operação "Trampolim Mágico", realizada entre os dias 24 e 26 de Fevereiro de 1972, em que o Comandante-chefe acompanhou as operações de desembarque do BART3873, na ponta Luís Dias - zona do Fiofioli (com o meu nome, mas não tem nada a ver comigo, é claro!), no qual estavam incluídas forças do BCAÇ3872 (o meu grupo de combate e outro da minha companhia - a CCAÇ3491 - reforçámos a CART3493 e outros grupos de combate do meu batalhão reforçaram outras companhias do BART3873). A sua presença foi causa de admiração para os "piras" que nós éramos.

Em 29 Abril de 1972, o General inaugurou as renovadas instalações da CCAÇ3491, no Dulombi, cuja construção fora, praticamente, obra dos velhinhos da CCAÇ2700, "refilando" contra os torreões que cercavam o aquartelamento e verificando o estado dos abrigos, embora evidenciando que os combatentes deviam defender o aquartelamento nas valas e não nos abrigos (por sinal das mais bem feitas da Guiné, segundo observação dos pilotos dos helicópteros que nos visitavam). Também ordenou a retirada a placa com o nome do capitão da CCAÇ2700 (a que renderamos), do heliporto porque, dizia ele; "para ali se ter o nome tinha-se que morrer primeiro na Guiné". Naturalmente o heliporto passou a ter o nome "Heliporto do Dulombi" e acabou-se a conversa.

No dia seguinte ao primeiro contacto que elementos da companhia tiveram com o IN (o 2º GC, que eu comandava, e o 3º GC, comandado pelo já falecido Alf. Farinha), na Operação "Alma Forte", em 11 de Março de 1972 (um dia depois da saída dos velhinhos) e a cerca de 18 km do nosso quartel, recebemos diversas mensagens elogiosas, entre elas do cmd-chefe REPOPER, que dizia:"Cmdt-Chefe felicita essa reacção à emboscada do IN, durante a Op Alma Forte, reveladora de determinação". Esta mensagem é demonstrativa da atenção que ele tinha para os acontecimentos militares, especialmente sensibilizando as forças acabadas de chegar, elogiando o seu comportamento no seu primeiro combate e moralizando, deste modo, as nossas forças (confesso que fomos muito felizes e que o IN terá ficado bastante surpreendido por estarmos naquela zona de acção).

Em 22 de Junho de 1972, todos os oficiais do BCAÇ 3872, deslocaram-se à sede do Batalhão, em Galomaro, para uma reunião com o General Spínola. Foi um encontro muito interessante, um diálogo bastante aberto e dinâmico, onde alguns manifestaram a sua opinião, mesmo contrária às posições oficiais e em que se chegou a falar de um levantamento militar contra o regime, referindo-se que o General Spínola, com a sua reconhecida capacidade e prestígio granjeado, poderia muito bem liderar esse movimento (julgo que estas questões lhe foram postas, se a memória não me atraiçoa, pelo médico do batalhão, Pereira Coelho e pelo Capitão Rosa da Companhia de Cancolim). Lembro-me que a estas questões o Comandante-Chefe apenas esboçou uns sorrisos e abanava a cabeça num sinal que interpretámos de concordância - prenúncio do movimento que iria surgir 2 anos depois e que, como se sabe, teve o seu início na Guiné. Recordo-me ainda das palavras de apreço que teve para com os oficiais milicianos, mormente para com os capitães.

A 19 de Setembro de 1972, durante a Operação "Água Fresca", na convergência do Rio Cambamba com o Rio Corubalo, em que estavam envolvidos o meu GC e o 3º GC da nossa companhia, detectámos onde o IN atravessava o rio e quando já estávamos junto do Corubalo, tivémos a "visita" inesperada do General Spínola e do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel, Castro e Lemos, obrigando-nos a arranjar segurança num local para poisar o hélio, à pressa, embora o "Lobo Mau", ficasse a rodopiar envolta da zona, enquanto durou a pequena reunião. Spínola falou comigo (comandava a operação) procurando inteirar-se dos locais identificados onde o IN fazia a cambança, dos locais escolhidos para montar as emboscadas e armadilhas, bem como detalhes normais deste tipo de acção. Despediu-se desejando boa sorte e nós saímos do ponto onde estávamos, não fosse o diabo tecê-las, pois com o aparato dos dois hélios, o IN podia perfeitamente localizar-nos e atirar-nos umas "bojardas" do outro lado do Rio, onde era terra de ninguém e onde ele se escondia e passeava bastante à vontade. Contudo, os homens apreciaram muito a coragem do "Velho" ou o "Caco", para estar ali com eles, numa zona muito propícia a surgir o IN e na qual a nossa atenção ficava sempre em alerta máxima.

Em 20 de Dezembro de 1972, após vários ataques do IN na zona de intervenção do Batalhão, quer a tabancas em auto-defesa, quer aos aquartelamentos de Dulombi, Cancolim e especialmente à sede do Batalhão, em Galomaro, o Comandate-Chefe esteve no Dulombi, a fim de inteirar-se das acções que havíamos realizado, em especial depois do ataque à tabanca de Samba Cumbera, em que em uma força, por mim comandada, foi atrás do IN, a toda a "velocidade", a fim de tentar interceptá-los, pois no ataque perpetrado haviam morto uma mulher e uma criança que estavam numa vala, indefesos e nós levá-mos esta acção muito a peito, indo atrás deles cheios de "raiva", com desejos de vingar aquelas mortes. O IN deve ter pressentido o perigo, o quanto perto estávamos deles, pois foram largando material para irem mais leves e mais depressa. Pela frescura do rasto sabemos que foi por um pouco, mas o IN conseguiu atravessar o Corubalo, com muita pouca vantagem de nós, mas fugiu. O regresso foi penoso, com o pessoal muito cansado e desmoralizado, depois de toda a adrenalina gasta na perseguição. O General falou ainda à população, aproveitado a oportunidade, moralizando-as e afirmando que deviam confiar nas forças portuguesas.

Após novos ataques IN na zona do batalhão, com uma emboscada em Anambé-Cancolim, ao pelotão de milícias que fazia a picagem da estrada Anambé-Rio Xancara (8 de Janeiro de 1973), causando dois mortos e um ferido, ataque à Tabanca de Bangacia (1 de Fevereiro de 1973), com baixas entre a população, feridos diversos entre os milícias e a destruição de meia centena de casas e com a colocação de mina A/C, reforçada com granada de RPG, na estrada Galomaro-Dulombi (2 de Fevereiro1973), que foi accionada por uma viatura da CCS, causando um ferido grave (condutor), o General Spínola desloca-se em 4 de Fevereiro a Bangacia, para avaliar os estragos (era uma tabanca modelo, onde eram levados em visita muitos jornalistas, principalmente estrangeiros) e no dia 10 de Fevereiro surge novamente no Dulombi o Comandante-chefe, acompanhado do Comandannte da CAOP2, do Comandante-geral das milícias e do nosso 2º Comandante - segunda visita em tão curto espaço de tempo, havia algo no ar.

Curioso nesta visita foi o Comandante-chefe, ao cumprimentar-me, ter-me tratado pelo nome militar: "Então nosso Alferes Dias, como vai?". Possivelmente antes de falar comigo inteirou-se, previamente, sobre quem era o comandante da unidade.

Nesta visita, que seria a última, quem comandava a companhia era eu, em virtude do capitão se encontrar de férias na metrópole. O General pediu-me para lhe explicar as nossas últimas intervenções, em especial na identificação dos trilhos de aproximação e retirada do IN. Aceitou bem as respostas que lhe dei, sorrindo para os acompanhantes quando lhe expliquei como nós podíamos facilmente perder um trilho de retirada (...) e ouviu as minhas lamentações devido à grande área de intervenção e patrulha que detínhamos, aos enormes espaços que existiam entre nós e as companhias do Saltinho, Cancolim e mais acima Canjadude, que davam muita manobra ao IN, na aproximação e ataque às tabancas da população, das zonas de Galomaro, bem como podia facilitar a passagem para atacarem Bafatá.

Pressenti que o General já tinha outra ideia para a nossa zona de intervenção e, efectivamente, ainda comigo a comandar a companhia, foi ordenada a nossa retirada do Dulombi para Galomaro, onde já se encontrava um GC nosso desde Dezembro e outro em apoio ao Batalhão de Piche, em 9 de Março de 1973, deixando no Dulombi unicamente 13 homens, comandados por um dos meus furriéis e 2 pelotões de milícias. Continuámos a efectuar semanalmente operações na zona do Dulombi, mas a nossa área de intervenção foi substancialmente alargada, com a junção à nossa da área então detida pela CCS.

Foi a última vez que vi o General Spínola no nosso teatro de guerra. A situação parecia ter-se alterado com a ocupação do Cantanhez pelas nossas forças, que implicou o recurso a tropas que tinham chegado para substituir outras, atrasando, deste modo, as rendições. Também o próprio PAIGC se preparava para atacar com toda a força a norte (Guidage) e depois a sul (Guileje e Gadamael) e mais tarde seria também a vez de Canquelifá e Copá. A alteração fundamental foi, todavia, do meu ponto de vista, a introdução da nova arma do PAIGC, o míssil "Strella", que modificou a forma de actuar da força aérea. Passou a existir no seio dos nossos militares o receio de que, em caso de serem feridos, os hélios não viriam fazer a evacuação e teve de haver uma forte componente psicológica por parte dos graduados para evitar males maiores, ou mesmo recusas em ir para o mato, em especial, quando terminado o tempo previsto para a comissão, souberam que não seriam substituídos tão depressa, foi uma quebra moral muito grande.

Lembrou-se a Câmara Municipal de Lisboa, em bom tempo, de dar o nome a uma avenida da capital, ao nosso antigo Comandante-chefe, avenida esta, por sinal bem comprida, e que irá perdurar a memória deste militar que não foi indiferente a todos que o conheceram, causando a admiração de muitos, mas também criando noutros muita embirração. Para aqueles que serviram sob o seu comando não podem esquecer o homem do monóculo, das luvas e do pingalim. O seu carácter, a sua personalidade e de facto a sua coragem, deixaram uma marca indelével e não há dúvidas de que foi um militar de excepção, um homem que marcou o seu tempo e nos marcou a nós combatentes. Fiz bem em ter estado presente e lá estarei, se Deus o permitir, quando for inaugurada naquele local uma estátua em sua honra, conforme prometeu o Presidente da Edilidade Lisboeta.

Luís Dias

Nota: Apontamentos biográficos recolhidos da Wikipédia e do Livro Biografia:Spínola, Senhor da Guerra, Manuel Catarino e Miriam Assor, com a devida vénia.

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