segunda-feira, 26 de abril de 2010
11º ENCONTRO DA CCAÇ3491
NO DIA 25 DE ABRIL - 36 ANOS APÓS A NOSSA CHEGADA
Luís Dias
domingo, 11 de abril de 2010
INAUGURAÇÃO DA PLACA TOPONÍMICA DA AV. MARECHAL ANTÓNIO DE SPÍNOLA, EM LISBOA - OS MEUS CONTACTOS COM O COMANDANTE-CHEFE
O Marechal António de Spínola, que foi o nosso Comandante-Chefe, durante a maior parte da nossa comissão na Guiné, foi hoje homenageado, dia do centenário do seu nascimento, com o descerramento de uma placa toponímica que deu nome a uma nova avenida da capital, numa cerimónia presidida pelo Presidente da República, o Professor-Doutor, Aníbal Cavaco e Silva.
O meu primeiro contacto com o então General Spínola deu-se uns dias depois da chegada do Batalhão de Caçadores 3872, à Guiné, - no qual fui incorporado para o Ultramar - na parada de recepção e apresentação de boas vindas que se realizou no Cumeré, em 26 de Dezembro de 1971, o General proferiu um discurso vivo, apelando ao nosso amor pátrio ("....que a boa estrela vos guie..!").
O segundo contacto foi ainda no início da comissão, mas já no terreno, na Operação "Trampolim Mágico", realizada entre os dias 24 e 26 de Fevereiro de 1972, em que o Comandante-chefe acompanhou as operações de desembarque do BART3873, na ponta Luís Dias - zona do Fiofioli (com o meu nome, mas não tem nada a ver comigo, é claro!), no qual estavam incluídas forças do BCAÇ3872 (o meu grupo de combate e outro da minha companhia - a CCAÇ3491 - reforçámos a CART3493 e outros grupos de combate do meu batalhão reforçaram outras companhias do BART3873). A sua presença foi causa de admiração para os "piras" que nós éramos.
Em 29 Abril de 1972, o General inaugurou as renovadas instalações da CCAÇ3491, no Dulombi, cuja construção fora, praticamente, obra dos velhinhos da CCAÇ2700, "refilando" contra os torreões que cercavam o aquartelamento e verificando o estado dos abrigos, embora evidenciando que os combatentes deviam defender o aquartelamento nas valas e não nos abrigos (por sinal das mais bem feitas da Guiné, segundo observação dos pilotos dos helicópteros que nos visitavam). Também ordenou a retirada a placa com o nome do capitão da CCAÇ2700 (a que renderamos), do heliporto porque, dizia ele; "para ali se ter o nome tinha-se que morrer primeiro na Guiné". Naturalmente o heliporto passou a ter o nome "Heliporto do Dulombi" e acabou-se a conversa.
No dia seguinte ao primeiro contacto que elementos da companhia tiveram com o IN (o 2º GC, que eu comandava, e o 3º GC, comandado pelo já falecido Alf. Farinha), na Operação "Alma Forte", em 11 de Março de 1972 (um dia depois da saída dos velhinhos) e a cerca de 18 km do nosso quartel, recebemos diversas mensagens elogiosas, entre elas do cmd-chefe REPOPER, que dizia:"Cmdt-Chefe felicita essa reacção à emboscada do IN, durante a Op Alma Forte, reveladora de determinação". Esta mensagem é demonstrativa da atenção que ele tinha para os acontecimentos militares, especialmente sensibilizando as forças acabadas de chegar, elogiando o seu comportamento no seu primeiro combate e moralizando, deste modo, as nossas forças (confesso que fomos muito felizes e que o IN terá ficado bastante surpreendido por estarmos naquela zona de acção).
Em 22 de Junho de 1972, todos os oficiais do BCAÇ 3872, deslocaram-se à sede do Batalhão, em Galomaro, para uma reunião com o General Spínola. Foi um encontro muito interessante, um diálogo bastante aberto e dinâmico, onde alguns manifestaram a sua opinião, mesmo contrária às posições oficiais e em que se chegou a falar de um levantamento militar contra o regime, referindo-se que o General Spínola, com a sua reconhecida capacidade e prestígio granjeado, poderia muito bem liderar esse movimento (julgo que estas questões lhe foram postas, se a memória não me atraiçoa, pelo médico do batalhão, Pereira Coelho e pelo Capitão Rosa da Companhia de Cancolim). Lembro-me que a estas questões o Comandante-Chefe apenas esboçou uns sorrisos e abanava a cabeça num sinal que interpretámos de concordância - prenúncio do movimento que iria surgir 2 anos depois e que, como se sabe, teve o seu início na Guiné. Recordo-me ainda das palavras de apreço que teve para com os oficiais milicianos, mormente para com os capitães.
A 19 de Setembro de 1972, durante a Operação "Água Fresca", na convergência do Rio Cambamba com o Rio Corubalo, em que estavam envolvidos o meu GC e o 3º GC da nossa companhia, detectámos onde o IN atravessava o rio e quando já estávamos junto do Corubalo, tivémos a "visita" inesperada do General Spínola e do Comandante do Batalhão, Tenente-Coronel, Castro e Lemos, obrigando-nos a arranjar segurança num local para poisar o hélio, à pressa, embora o "Lobo Mau", ficasse a rodopiar envolta da zona, enquanto durou a pequena reunião. Spínola falou comigo (comandava a operação) procurando inteirar-se dos locais identificados onde o IN fazia a cambança, dos locais escolhidos para montar as emboscadas e armadilhas, bem como detalhes normais deste tipo de acção. Despediu-se desejando boa sorte e nós saímos do ponto onde estávamos, não fosse o diabo tecê-las, pois com o aparato dos dois hélios, o IN podia perfeitamente localizar-nos e atirar-nos umas "bojardas" do outro lado do Rio, onde era terra de ninguém e onde ele se escondia e passeava bastante à vontade. Contudo, os homens apreciaram muito a coragem do "Velho" ou o "Caco", para estar ali com eles, numa zona muito propícia a surgir o IN e na qual a nossa atenção ficava sempre em alerta máxima.
Em 20 de Dezembro de 1972, após vários ataques do IN na zona de intervenção do Batalhão, quer a tabancas em auto-defesa, quer aos aquartelamentos de Dulombi, Cancolim e especialmente à sede do Batalhão, em Galomaro, o Comandate-Chefe esteve no Dulombi, a fim de inteirar-se das acções que havíamos realizado, em especial depois do ataque à tabanca de Samba Cumbera, em que em uma força, por mim comandada, foi atrás do IN, a toda a "velocidade", a fim de tentar interceptá-los, pois no ataque perpetrado haviam morto uma mulher e uma criança que estavam numa vala, indefesos e nós levá-mos esta acção muito a peito, indo atrás deles cheios de "raiva", com desejos de vingar aquelas mortes. O IN deve ter pressentido o perigo, o quanto perto estávamos deles, pois foram largando material para irem mais leves e mais depressa. Pela frescura do rasto sabemos que foi por um pouco, mas o IN conseguiu atravessar o Corubalo, com muita pouca vantagem de nós, mas fugiu. O regresso foi penoso, com o pessoal muito cansado e desmoralizado, depois de toda a adrenalina gasta na perseguição. O General falou ainda à população, aproveitado a oportunidade, moralizando-as e afirmando que deviam confiar nas forças portuguesas.
Após novos ataques IN na zona do batalhão, com uma emboscada em Anambé-Cancolim, ao pelotão de milícias que fazia a picagem da estrada Anambé-Rio Xancara (8 de Janeiro de 1973), causando dois mortos e um ferido, ataque à Tabanca de Bangacia (1 de Fevereiro de 1973), com baixas entre a população, feridos diversos entre os milícias e a destruição de meia centena de casas e com a colocação de mina A/C, reforçada com granada de RPG, na estrada Galomaro-Dulombi (2 de Fevereiro1973), que foi accionada por uma viatura da CCS, causando um ferido grave (condutor), o General Spínola desloca-se em 4 de Fevereiro a Bangacia, para avaliar os estragos (era uma tabanca modelo, onde eram levados em visita muitos jornalistas, principalmente estrangeiros) e no dia 10 de Fevereiro surge novamente no Dulombi o Comandante-chefe, acompanhado do Comandannte da CAOP2, do Comandante-geral das milícias e do nosso 2º Comandante - segunda visita em tão curto espaço de tempo, havia algo no ar.
Curioso nesta visita foi o Comandante-chefe, ao cumprimentar-me, ter-me tratado pelo nome militar: "Então nosso Alferes Dias, como vai?". Possivelmente antes de falar comigo inteirou-se, previamente, sobre quem era o comandante da unidade.
Nesta visita, que seria a última, quem comandava a companhia era eu, em virtude do capitão se encontrar de férias na metrópole. O General pediu-me para lhe explicar as nossas últimas intervenções, em especial na identificação dos trilhos de aproximação e retirada do IN. Aceitou bem as respostas que lhe dei, sorrindo para os acompanhantes quando lhe expliquei como nós podíamos facilmente perder um trilho de retirada (...) e ouviu as minhas lamentações devido à grande área de intervenção e patrulha que detínhamos, aos enormes espaços que existiam entre nós e as companhias do Saltinho, Cancolim e mais acima Canjadude, que davam muita manobra ao IN, na aproximação e ataque às tabancas da população, das zonas de Galomaro, bem como podia facilitar a passagem para atacarem Bafatá.
Pressenti que o General já tinha outra ideia para a nossa zona de intervenção e, efectivamente, ainda comigo a comandar a companhia, foi ordenada a nossa retirada do Dulombi para Galomaro, onde já se encontrava um GC nosso desde Dezembro e outro em apoio ao Batalhão de Piche, em 9 de Março de 1973, deixando no Dulombi unicamente 13 homens, comandados por um dos meus furriéis e 2 pelotões de milícias. Continuámos a efectuar semanalmente operações na zona do Dulombi, mas a nossa área de intervenção foi substancialmente alargada, com a junção à nossa da área então detida pela CCS.
Foi a última vez que vi o General Spínola no nosso teatro de guerra. A situação parecia ter-se alterado com a ocupação do Cantanhez pelas nossas forças, que implicou o recurso a tropas que tinham chegado para substituir outras, atrasando, deste modo, as rendições. Também o próprio PAIGC se preparava para atacar com toda a força a norte (Guidage) e depois a sul (Guileje e Gadamael) e mais tarde seria também a vez de Canquelifá e Copá. A alteração fundamental foi, todavia, do meu ponto de vista, a introdução da nova arma do PAIGC, o míssil "Strella", que modificou a forma de actuar da força aérea. Passou a existir no seio dos nossos militares o receio de que, em caso de serem feridos, os hélios não viriam fazer a evacuação e teve de haver uma forte componente psicológica por parte dos graduados para evitar males maiores, ou mesmo recusas em ir para o mato, em especial, quando terminado o tempo previsto para a comissão, souberam que não seriam substituídos tão depressa, foi uma quebra moral muito grande.
Lembrou-se a Câmara Municipal de Lisboa, em bom tempo, de dar o nome a uma avenida da capital, ao nosso antigo Comandante-chefe, avenida esta, por sinal bem comprida, e que irá perdurar a memória deste militar que não foi indiferente a todos que o conheceram, causando a admiração de muitos, mas também criando noutros muita embirração. Para aqueles que serviram sob o seu comando não podem esquecer o homem do monóculo, das luvas e do pingalim. O seu carácter, a sua personalidade e de facto a sua coragem, deixaram uma marca indelével e não há dúvidas de que foi um militar de excepção, um homem que marcou o seu tempo e nos marcou a nós combatentes. Fiz bem em ter estado presente e lá estarei, se Deus o permitir, quando for inaugurada naquele local uma estátua em sua honra, conforme prometeu o Presidente da Edilidade Lisboeta.
Luís Dias
Nota: Apontamentos biográficos recolhidos da Wikipédia e do Livro Biografia:Spínola, Senhor da Guerra, Manuel Catarino e Miriam Assor, com a devida vénia.