quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

AINDA HÁ UÍSQUE DA GUINÉ


Fotos das "belezas" com os selos da Alfândega da Guiné!

Chegada a Galomaro da CCAÇ3491, no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o Alf. L. Dias, atrás o Fur. Baptista do 1º GC e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por "costureirinha" e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71.

Caros Camaradas e Amigos

É verdade! Ainda tenho 5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné (!!!!). Ou seja, estas já estão em minha casa desde 1974 (o BCAÇ 3872 regressou da guerra e atracou na Rocha Conde de Óbidos-Lisboa, em 4 de Abril, mas elas chegaram antes dessa data. São elas uma "President", uma "Something Special", uma "Dimple", uma "Smugler" e uma "Logan". Umas autênticas belezas.

Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas "meninas" em conformidade? Outros dirão que ele não é muito de beber e por isso as foi deixando andar lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, ainda outras ao meu tio Armando - este sim um grande apreciador - e fui ficando com outras e olhem, ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ía-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos. Tinha uma bela "Monks", em bilha de barro, que muitos amigos, quando me visitavam, diziam que era melhor eu abri-la enquanto era tempo, pois tinham tendência a evaporar. Provei-lhes o contrário ao abri-la e bebê-la quando fiz os meus 50 anos. Abri uma "Chivas", creio que aos 55 anos e agora ainda tenho estas, embora com destino certo. Vou abrir a "Dimple" quando fizer os 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue e as outras serão para "special ocasions", uma, nomeadamente, se o meu Glorioso Benfica voltar este ano a ser Campeão Nacional.

O uísque na Guiné era, como todos sabem, uma bebida altamente apreciada e usada inclusive, como tratamento anti-bacteriano. Quando regressava ao quartel depois das operações no mato e ainda antes de tomar o retemperador e refrescante banho, a primeira coisa que fazia era beber um uísque com água de castelo para matar a bicharada (parasitas) que, possivelmente, tivesse engolido quando bebia água das bolanhas, dos riachos ou das poças, mesmo com recurso às pastilhas, ao lenço a fazer de filtro, antes de ela entrar no cantil, muitas vezes após afastar a baba dos macacos ou de outros animais que tivessem lá estado a tirar a sede.

Durante a comissão fui adquirindo diversas garrafas do precioso néctar, em especial das marcas que eu entendia serem mais prestigiadas. Encaixotava-as devidamente acondicionadas e pumba lá iam direitinhas para casa dos meus pais, através do correio. E nunca desapareceram e chegaram sempre inteiras!

Na nossa companhia (Dulombi), ao que julgo também nas outras, depois da cerveja, o uísque era das bebidas mais comercializadas (o vinho...bem, o vinho não era lá grande coisa como sabemos), embora existissem boas aguardentes velhas (como a excepcional "Adega Velha", em garrafa numerada). O gin com água tónica também era muito apreciado entre os graduados (mais na sede do batalhão em Galomaro do que na nossa companhia) e até a Coca Cola tinha alguma saída (esta bebíamos juntamente com uísque, normalmente em convívios, despejando uma garrafa de uísque corrente numa terrina de sopa, com uma grande pedra de gelo e Coca Cola a atestar. Depois seguia-se o ritual de passar a terrina de mão em mão, de boca em boca, bebendo o líquido fresquinho até acabar e, às vezes, como não chegava, iniciava-se novamente o processo).

A cerveja era muito popular e bebia-se em quase todas as alturas. Em Janeiro de 1973 a companhia teve de pedir um reforço de cerveja, porque a mesma esgotou-se e, segundo a Manutenção Militar de Bissau, a nossa companhia havia batido o recorde de cerveja bebida!!! Raio de malta, esta nossa rapaziada!!!

A aquisição do uísque das melhores marcas era uma luta em que o nosso 1º Sargento Gama, quase sempre me levava a melhor. De facto, a título de exemplo, nunca consegui adquirir a "Martin" de 20 anos, porque se esgotava sempre!!!! E ele sempre na boa. Mas eu vinguei-me, como vos relato a seguir.

Em finais de Fevereiro ou princípios de Março de 1973, eu estava a comandar a companhia, devido ao Capitão estar de férias. Então engendrei com os operadores criptos que, num determinado dia, depois do almoço, me apresentariam uma mensagem falsa, relacionada com a nossa transferência urgente para outra zona de acção. Os outros alferes e a maioria dos furriéis estavam alertados sobre a "marosca".

No dia aprazado, um dos criptos vem entregar-me uma mensagem urgente à messe de oficiais e sargentos, trazendo um ar preocupado e quando eu, pretensamente, a li, mostrei um ar de estupefacção, que levou a que os outros graduados perguntassem o que tinha acontecido.

Depois de alguns segundos de silêncio, eu disse-lhes, com voz dramatizada, que estávamos quilhados. Tínhamos recebido ordem de marcha para a zona do Cantanhez, para onde seguiríamos, dentro de 3 dias. Foi como uma bomba! É claro que a maioria sabia do engano, mas alinhou na "tanga".

Mas, onde é que entra aqui o nosso 1º Gama? O problema é que o 1º Sargento havia comprado, uns dias antes, mais um grande lote de garrafas de uísque e assim que ouviu isto deu um salto como que impelido por uma mola.

-Como é isso meu Alferes? Vamos todos para o Cantanhez? Isso é verdade? Perguntou o 1º Gama.
- Nosso primeiro a coisa é bem séria! Vamos todos para o Cantanhez! Confirmei com a cabeça.

Depois da confirmação, o nosso 1º Sargento entrou em desespero...! Gritava o que é que iria fazer com a pôrra das garrafas de uísque que havia comprado, que nem ía ter tempo de as remeter para a metrópole, que tinha gasto tanto dinheiro na sua aquisição, etc. Estava fulo e chamava nomes a tudo o que era comandante, recorrendo ao seu vernáculo de bom alentejano. É claro que a malta alvitrou logo que o melhor era já começar a bebê-las e que todos nós estávamos dispostos ao sacrifício, dávamos o corpo ao manifesto, ajudando-o em tão árdua e imperiosa tarefa...!!! O nosso 1º estava desfeito. Eu sentia-me vingado.

Deixámo-lo com estas preocupações durante algum tempo, mas não me contive e disse-lhe a verdade. Ficou tão aliviado que me perdoou a maldade.

A cena poderia ter ficado por aqui, o problema é que uns dias depois, exactamente depois do almoço, surge um dos operadores cripto na messe a entregar-me uma mensagem e dizendo logo que o assunto era sério e que a mensagem era verdadeira.

Peguei na mensagem e li-a, primeiro com os olhos, depois com a alma, e lá estava, preto no branco. O comandante do batalhão solicitava a informação de quantas viaturas iríamos precisar para transferir a companhia para Galomaro, no prazo de 3 dias. É claro que não era a mesma coisa que sermos transferidos para o Cantanhez, eram apenas 20 km de distância, mas a malta ficou em polvorosa e muitos ficaram a pensar que era mais uma brincadeira. O 1º Gama lá deve ter pensado para com os seus botões, que afinal não seria assim tão mau e não me resingou os ouvidos como seria de esperar.

A verdade, é que tivémos de nos organizar para retirar a companhia do Dulombi, deixando ali, unicamente, 13 bravos, comandados, primeiramente, pelo Furriel Gonçalves do meu GC, posteriormente rendido pelo Furriel Soares das Trms e dois pelotões de milícias. O que começara por ser uma brincadeira para atesanar o nosso 1º Gama, acabou, uns dias depois, por ser realidade e a vida operacional da companhia iria ser muito diferente. Mantivémos as operações na zona do Dulombi, mas alargámo-las à zona de intervenção de Galomaro, tendo ainda um GC, em permanência, de intervenção em Piche, depois em Nova Lamego e até em Pirada. Era a companhia que detinha a maior área geográfica de intervenção em todo o território.

Assim, no dia 9 de Março de 1973, uma coluna de viaturas com a CCAÇ 3491, por mim encabeçada, entrava em Galomaro. Só regressaríamos ao Dulombi para realizar operações e em Janeiro de 1974, para preparar a recepção à companhia dos piras.

Luís Dias

1 comentário:

Sara disse...

E sempre bom ser capaz de tomar essas bebidas, eu acho que é importante ter essas coisas em casa para tomar, mas se não gosto quando você pode ir para tirá-lo depois de comer um prato rico em la caballeriza