Como é habitual, entre os diversos blogues que consulto sobre a Guiné, um dos que revejo com curiosidade é o blogue dos nossos "velhinhos", a CCAÇ 2700. Hoje, ao abri-lo, deparei com um documento importante, diversas fotos, obtidas recentemente pelo Tenente-Coronel, Carlos Correia, ex-Alferes daquela unidade militar, colhidas no nosso Dulombi, em Março deste ano.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
O DULOMBI ACTUAL
Como é habitual, entre os diversos blogues que consulto sobre a Guiné, um dos que revejo com curiosidade é o blogue dos nossos "velhinhos", a CCAÇ 2700. Hoje, ao abri-lo, deparei com um documento importante, diversas fotos, obtidas recentemente pelo Tenente-Coronel, Carlos Correia, ex-Alferes daquela unidade militar, colhidas no nosso Dulombi, em Março deste ano.
sexta-feira, 12 de junho de 2009
AINDA O ATAQUE A CAMPATA E O GE DE MARCELINO DA MATA EM GALOMARO
Retirado do blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné, com a devida vénia.
Apenas para melhor ilustrar e não para criar polémicas foi remetida uma resposta do editor, Luís Dias, para o mesmo blogue, conforme segue:
Ainda sobre o ataque a Campata e o post 4509 do Juvenal Amado
Caro Juvenal
A guerra não devia ter estas situações, mas elas existiram, a guerra nem sempre é limpa, como a água. Há os que não deixam que estas coisas aconteçam e há os que a aceitam e até acreditam que deve ser assim e há os que assobiam para o lado, vêem, mas não querem ver e por último há os que efectivamente nada viram, não por estarem desatentos, mas porque, simplesmente, não estavam lá.
No dia em que o GE do Marcelino esteve em Galomaro, eu estava com o meu GC no mato, ainda à procura dos guerrilheiros do PAIGC que tinham feito o ataque e a proteger outras tabancas. Referes no teu “post” que os elementos do GE terão agredido o jovem guerrilheiro capturado em combate. Acredito, porque o dizes, dado que ninguém, na altura, falou nisso. Recordo-te que ele também vinha maltratado aquando da sua captura, porque a milícia até o queria matar por fazer parte do grupo que atacava as populações, mas pareceu-me querer colaborar, voluntariamente, com as nossas tropas, até porque dizia ter sido raptado pelas forças do PAIGC e obrigado a envolver-se nos ataques da nossa zona. Identificou, inclusive, os guerrilheiros mortos e o que representavam na hierarquia do IN.
Como sabes, infelizmente, na nossa zona, era mais fácil para o IN atacar as tabancas, mesmo as indefesas, do que os nossos aquartelamentos. Havia um grande ódio entre os guerrilheiros (normalmente balantas, animistas) e a população da nossa zona, predominantemente fulas, islamizados. Isto reflectia-se na violência dos seus ataques, sem contemplações, menosprezando as vidas, fossem de mulheres ou de crianças. Deves estar lembrado daquele cheiro, quando entrávamos numa tabanca atacada, uma mistura de terra queimada, pólvora, sangue, muitas vezes a mortos e o choro das mulheres, das crianças, por terem perdido algum familiar ou os seus parcos haveres. Era de ficar estarrecido, triste, sentindo a impotência da situação. A raiva e o choro também tomavam conta de nós. O IN não mostrava contemplações pela “sua” população e também não mostrou respeito pelo camarada da CCAÇ 3489, aprisionado no ataque a Anambé e morto a tiro na retirada, pelos três elementos da população capturados momentos antes do ataque a Dulô Gengele e fuzilados após. A quantidade de ataques a Bangacia, com diversos mortos, normalmente da população e, num desses ataques, colocaram a mina A/C na retirada que vitimou um condutor auto da CCS. O próprio ataque a Galomaro, em quem sofreu mais foi a população.
Aquando do ataque à tabanca de Samba Cumbera, o 2ºGC da CCAÇ3491 (que era o meu) e o 3º GC, fomos em perseguição dos atacantes. Poderia ter sido mais uma das muitas que fizemos, mas esta foi muito diferente. Diferente porque tínhamos sabido que no ataque o IN havia morto uma mulher e o filho que estavam enfiados numa vala, desarmados, escondidos daquela gente "libertadora" e que, sem qualquer justificação, os assassinou a sangue frio, e os nossos homens levaram aquilo a peito, como se da sua família fossem aqueles mortos e largaram atrás do grupo com um empenho, com uma gana, em passo de quase corrida. O IN deve-se ter apercebido do perigo, de que vínhamos perto, porque foram largando material, para mais fácil ganharem terreno. Conseguiram chegar primeiro ao Corubalo e atravessá-lo, mas foi por pouco. Às vezes pergunto-me, se os temos agarrado, conseguiria aguentar, conter a violência dos meus soldados. Sei a raiva que levávamos, sei das ínguas de esforço criadas, sei que os homens estoiraram atrás do IN, porque queríamos vingar aquelas mortes. E o regresso foi penoso, num silêncio feito do amargo de não termos sido suficientemente rápidos para os apanhar. Sei que em combate poderíamos ter sido "animalescos" para com o IN, mas também sei que não faríamos mal a um prisioneiro. Não o fizemos àquele guerrilheiro, como a outros capturados. Aliás enquanto esteve connosco nada se passou, isso eu sei. Mas também sei que em combate seria diferente.
Como refere Torcato Mendonça, no post sobre o ataque do PAIGC a Mussa Iéro: "...sentiram a bestialidade da guerra, a violência gratuita, o ódio fratricida a abater-se sobre eles. Homens, ou simplesmente seres a destilarem ódio, bestas de uma guerra num país que diziam querer libertar, comandados por outros de outras terras ou, se comandados por guineenses, treinados em países longínquos. Só assim se compreende o modo como espalharam o terror, o ódio, a morte e a destruição sobre gente indefesa...". Nós também somos gente e sentíamos essa raiva pelo mal que faziam aquelas pobres populações e o que eles lhes faziam não era guerra, perceba-se!!!
Fui um operacional como tu dizes e sei que as operações que fazíamos podiam limitar as acções do IN – conforme informações prestadas por elementos do PAIGC que se entregaram na nossa zona – e tinha, como tu também dizes, responsabilidades pelo meu GC, muitas vezes por dois GC, e às vezes pela própria companhia. Mas, essa operacionalidade tinha limites. Tu, também eras operacional e quando conduzias a tua viatura tinhas responsabilidade pelos camaradas que transportavas, pois dependiam de uma condução segura e eficaz. Fazíamos parte de uma “máquina de guerra”, mesmo contra a vontade. No meu ponto de vista, só havia duas soluções para os que eram contra a guerra: ou desertavam e punham-se a mexer ou então se iam combater, então tinham de cumprir as suas missões com o devido empenhamento e competência, em especial se tinham pessoas na sua dependência, que confiavam neles para, também com alguma sorte, conseguirem voltar a ver os seus entes queridos.
Ainda bem que ninguém, como tu dizes, do BCAÇ 3872 (entenda-se da CCAÇ 3491 e da CCS, que eram as tropas aquarteladas na altura em Galomaro) teve interferência nessa agressão e os fins não podem e não devem justificar os meios. Agora que o ataque do GE do MM à base do PAIGC produziu diversos meses sem quaisquer ataques às tabancas da nossa zona, isso foi um facto. Entre o 16 de Março e meados de Setembro foi a paz e o sossego para todas elas. As armas calaram-se!
Um abraço
Luís Dias
terça-feira, 2 de junho de 2009
A PICADA DULOMBI-GALOMARO OU GALOMARO-DULOMBI
Quando em Janeiro de 1972, o BCAÇ3872 iniciou a subida do Rio Geba em direcção ao Xime, por onde passavam todos os batalhões e companhias que rumavam à zona Leste da Guiné, muitos de nós ainda não tinham ouvido falar de Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Pirada, Piche, e muito menos de Galomaro, onde iria situar-se o comando do batalhão e a CCS. A chegada ao Xime, ao fim da tarde, foi o meu grande choque com os “operacionais”, com os que estavam no “mato”, com a realidade da guerra. Havíamos chegado na véspera de Natal de 1971 a Bissau. Na cidade era substancialmente diferente e até parecia que a guerra não existia. Agora ali, onde estavam os homens da escolta do batalhão que íamos render, tudo era diferente. E não era tanto a diferença entre o novo e o velho, mas sim entre o real e o irreal, os que estavam quase livres daquilo e os que, sem muito entusiasmo, passavam aquela porta e iriam passar a “levar” com aquilo.
Tenho pena de não ter na altura uma máquina de filmar, uma máquina de fotografar, que fixasse aquelas imagens que eu via e ainda vejo, das fardas descoloridas, dos quicos desfeitos, dos rostos magros e com a pele tisnada do sol, mas com uma cor doente, amarelada. Que dizer dos rostos risonhos, mas marcados, do material de guerra espalhado nas viaturas. Confesso que fiquei estarrecido a pensar que esta iria ser a hora da mudança. Eles iriam transformar-se, lentamente, no que nós aparentávamos. Nós, dentro de pouco tempo, seríamos como eles eram agora….. Meu Deus, o que faço eu aqui? Foi uma das piores sensações da minha vida. Parecia o inferno de Dante: “Vós que aqui entrais, perdei toda a esperança”.
Chegámos a Galomaro já de noite e só no dia seguinte a CCAÇ 3491 seguiria para o Dulombi, bem como a CCAÇ3490 para o Saltinho. A CCAÇ3489 foi logo directamente para Cancolim.
No dia seguinte, escoltados por elementos da CCAÇ2700, lá fomos estrada fora a caminho do Dulombi, percorrendo pela primeira vez a nossa célebre picada. Passámos pelo cruzamento de Duas Fontes/ Bangacia, onde uns meses antes elementos da CCS, reforçados por atiradores da CCAÇ2700, tinham sofrido uma emboscada a uma coluna, ao cair da noite, que causou 5 mortos. A estrada até Mali Bula, bolanha do Rio Fandaré, ainda se fez razoavelmente, mas a partir daí é que aquilo se tornava uma autêntica picada. Deu logo para perceber que aquele troço não levaria a nenhum paraíso. Depois de passarmos os locais onde tinham rebentado minas A/C, um deles a 300 m do quartel, que causaram baixas mortais entre os camaradas da 27$00, entrámos finalmente em Dulombi.
O "aprazível" local situava-se dentro da linha de fronteira do Leste, redefinidas após a retirada de Beli e de Madina do Boé. De facto a primeira companhia a estabelecer-se no Dulombi foi a CCAÇ2405, em 1970. Esta companhia tinha participado na operação “Mabecos Bravios” – a tristemente célebre retirada de Madina do Boé que causou 46 baixas, por ter adornado a barcaça em que seguia o último grupo de homens, onde estavam muitos elementos da CCAÇ2405, tendo perdido a vida 17 deles. À nossa frente, a cerca de 40 km, tínhamos o Rio Corubalo. Atrás de nós, a 20 km de distância, Galomaro. À nossa direita, a mais de 50 km, o Saltinho. À nossa esquerda, a mais de 60 km, Cancolim e mais a norte Canjadude. Dulombi era, definitivamente, o fim da linha. Tínhamos uma vasta zona de penetração para o IN e de muitos quilómetros de patrulhamento para a companhia.
A picada passou a constituir para nós o único elo com sítios mais importantes e cosmopolitas (a Tabanca do Dulombi teria umas 250/300 pessoas), como Galomaro, Bambadinca, mas especialmente Bafatá. De facto arriscávamos a vida numa coluna que era praticamente semanal, para levar e trazer correio, para obter reabastecimentos, mas também para comermos no libanês de Bafatá, o célebre bife “à bota”. Eram uns momentos de grande impacto social e moralizador para o nosso pessoal, porque naquele restaurante sentávamo-nos todos na mesma mesa, desde o capitão ao soldado, o que era muito apreciado pelo Sr. Anirof, o patrão (que nos dizia ser caso único) e nos trouxe alguns dissabores com o comandante do batalhão estacionado em Bafatá.
As colunas iniciavam-se com uma acção de picagem até um determinado ponto do percurso. Depois, aguardávamos que os camaradas do Pel. Rec. ou Pel. Sap. da CSS, que efectuavam a picagem do troço entre Mali Bula e o tal ponto de encontro, se juntassem nós. Era um grande esforço e recordo-me de falar com os meus camaradas sobre a importância de se fazer um trabalho bem feito na detecção de minas. É verdade que muitas das vezes o resultado eram bolhas nas mãos, mas também foi a detecção das minas A/C que o IN nos colocou e também foi, principalmente, não termos perdido vidas, um ponto alto do nosso esforço que valeu a pena. Com a CSS foi diferente, pois detectaram uma mina A/C, mas de uma outra vez essa sorte não lhes sorriu e tiveram um ferido grave e a perda de uma viatura.
Recordo que houve um período em que se soube que o IN estava a utilizar, isto durante a época da seca, umas minas A/C, em que a parte do top da mina era formada por umas películas finas metalizadas e que a pica de ferro ao trespassar essas películas fazia o contacto (por ser de metal também), accionando a mina. A partir dessa informação o primeiro grupo de picadores só utilizava picas de madeira, que se gastavam, praticamente, numa picagem e necessitavam de maior esforço de penetração na terra.
Dado que os nossos “velhinhos” tinham sofrido as "passas do Algarve" na época das chuvas, em que muitas das vezes ficavam atolados, uma das nossas primeiras medidas foi melhorar a nossa picada, o que foi feito com muito esforço e empenhamento diário de um grupo de combate. Conseguimos construir uma ponte razoável sobre o Rio Fandauol, onde nos abastecíamos, criando um pequeno lago para tomar banho (só na parte da manhã, quando ali estava montada a segurança para a recolha de água), de forma a evitar o atolamento na bolanha, logo a 800 metros da saída do quartel.
Deste modo, quando a época das chuvas surgiu, lá nos fomos safando, continuando as colunas mas, em determinada altura, a bolanha do Rio Fanharé (do lado de Galomaro) fez das suas e ficámos sem abastecimentos durante bastante tempo, até porque também a pista de aviação ficou impraticável. Foram tempos difíceis para todos, em especial para o Capitão Pires, que apanhou com o pessoal a refilar com a comida, porque não tínhamos acesso a frescos.
Quando chovia a nossa velha picada inundava em vários pontos e as viaturas faziam um grande esforço para conseguirem ultrapassar esses locais mais difíceis, com a água a atingir, muitas das vezes, as nossas botas. Parecia que atravessávamos um rio. E falar das picagens nesta altura – um tormento.
Mas se esta picada foi a que nos levou ao nosso “buraco”, também foi ela que nos trouxe aqueles que nos vieram substituir, em Fevereiro de 1974, pelos quais ansiávamos já desde Outubro de 1973. Foi também ela que deixou passar as viaturas civis e militares que, em Março de 1974, saíram do Dulombi, transportando o Capitão, o 2º Gr. Combate e as unidades de apoio da companhia (secretaria, alimentação, transmissões, enfermagem, mecânica e transportes) passaram uma noite em Galomaro e no dia seguinte, com a companhia completa, partiram rumo ao Xime, onde chegáramos mais de dois anos antes.
Para nós da CCAÇ3491, a velha picada do Dulombi-Galomaro, foi o meio de sairmos da “nossa guerra” de regressarmos ao cais, de nos libertar da dor de quase 28 meses de terras quentes e vermelhas da Guiné. Para nós, que com ela parecia termos um pacto, foi uma picada de felicidade.
Às vezes pergunto-me se era capaz, como tantos outros camaradas têm feito, de voltar a fazer o caminho do reencontro com aquela tabanca, com as suas gentes, do retorno `aquela picada….não sei! Lembro-me, isso sim, de que quando saí do Dulombi seguia na viatura da frente e o meu olhar foi sempre dirigido para a picada. Não me recordo de me ter virado uma só vez!
A BOA ESTRELA
Escutei
Por entre o assobiar
Do vento caminhante
O riso alegre
Satisfeito
Daquele camarada
Que parte por ter a tragédia
Terminada
Vai contente
De peito feito
Sobreviveu
Parte também
Outro camarada
Numa caixa macabra
Que numa picada
Jogo de armadilhas
E por emboscada
A sua boa estrela perdeu
Luís Dias
Viatura berliet da CCS, do 1º cabo condutor-auto, Juvenal Amado (tertuliano), mas aqui conduzida pelo Fur. Trms, Idelberto Soares, da CCAÇ3491 e com ele ao lado (!!!). Picada - ou rio - Galomaro-Dulombi. 1973.
Elementos do 4º Gr. Comb./CCAÇ3491, a efectuarem a picagem do trajecto Dulombi-Galomaro, no tempo das chuvas, como é perceptível.
Mina A/C, M-46, ainda enterrada, detectada pela picagem de elementos da CCAÇ3491, em Novembro de 1972, na picada Dulombi-Galomaro.
O destino final da picada Galomaro-Dulombi - a entrada do aquartelamento do Dulombi. Fevereiro de 1974.
A saída da CCAÇ3491 do Dulombi, depois de ter sido substituida pela 1ª Companhia do BCAÇ4518/73, em Março de 1974.