quarta-feira, 6 de junho de 2012

UMA PEQUENA HISTÓRIA DO CAMARADA JOSÉ PEREIRA DA SILVA, O “GRIJÓ”


UMA PEQUENA HISTÓRIA DO CAMARADA JOSÉ PEREIRA DA SILVA, O “GRIJÓ”
José Pereira da Silva, o “Grijó”
Ex-Sold. Atirador de Infantaria
BCAÇ 3872
CCAÇ 3491
2ª Grupo de Combate (Os Lenços Azuis do Dulombi, também conhecidos por Alma Forte, lema do crachá utilizado pelo grupo)
Locais: Cumeré, Dulombi, Galomaro, Piche, Nova Lamego e Pirada

O José Silva entregou-nos uma pequena história para publicação no nosso blogue, excerto do seu trabalho para o RVCC – Novas Oportunidades.

Veio o serviço militar e assentei praça em Braga, no RI8 e em Julho de 1971 acabei a recruta e fui para Abrantes (RI2), fazer a especialidade de atirador (de infantaria). Após a formação do Batalhão, embarcámos para a Guiné em 18 de Dezembro de 1971, no navio Angra do Heroísmo e estive lá até Abril de 1974 (mais propriamente até 29 de Março, tendo chegado a Lisboa em 4 de Abril). Em meados de Janeiro ou Fevereiro de1972, o General António Spínola visitou a CCAÇ3491, companhia do BCAÇ 3872 (a visita do comandante-chefe de inauguração do Quartel do Dulombi teve lugar a 29 de Abril), em que nos prometeu que iríamos passar o Natal de 1973 com os nossos familiares e isso não aconteceu.
Passei lá tempos difíceis e a história que mais me marcou foi quando 3 quartéis estavam a ser atacados pelos “turras” (Pirada, Bajocunda e Copá???) e nós só fomos no dia seguinte para Pirada  (refere-se ao 2º GC do Alferes Dias e dos furriéis Gonçalves e Espírito Santo, do qual fazia parte e ainda a um GC madeirense da CCAÇ 3518, que ficou sob o comando do mesmo alferes por não terem oficial), porque os que lá estavam apenas tinham 3 meses na Guiné e não tinham muita experiência.

(Já em Pirada os grupos receberam ordens para seguir para Copá, mas o Alferes Dias referiu ao comandante do Batalhão ali instalado que as ordens que recebera da CAOP 2 era de ir defender Pirada e que se alguém tinha de reforçar Copá eram os elementos da companhia a que pertenciam os camaradas instalados naquele destacamento - companhia operacional que estava em Pirada juntamente com a CCS. O GC madeirense, que tinha ido para a Guiné no mesmo barco que o nosso batalhão e já tinham passado um mau bocado em Guidage, disse que não iriam para Copá, preferiam ser presos. De facto, ambos Grupos de combate já tinham ultrapassado o prazo de comissão habitual na Guiné, eram dos mais velhinhos na província. Por sorte a CAOP informou o comando do batalhão que de facto as ordens que tinham sido atribuídas eram de ficar em Pirada a apoiarem o Batalhão ali instalado e não de irem ocupar Copá. No entanto, acederam em colaborar operacionalmente e escoltar uma coluna que partiria no dia seguinte para Copá.).

Como me tinha atrasado, mais outro camarada de Gaia, a chegar ao local de encontro do nosso GC ficámos de castigo. Nesse dia tivemos Deus pelo nosso lado, porque se tivéssemos partido para ir dar apoio a Copá, teríamos chegado a uma ponte que estava armadilhada e onde se emboscaram os “turras” à espera de quem passasse, para mandarem tudo pelos ares e não ficava ninguém para contar a história.
Ficámos em Pirada, tomámos banho, jantámos e fomos distribuídos pelas casernas, depois fomos para junto dos “piras” que estavam ali há apenas 3 meses, mas conheciam melhor a zona que nós. Sentámo-nos num banco comprido junto deles, estando dois deles de reforço junto ao arame farpado. Por volta das 20 horas vê-se um clarão seguindo-se o som de um rebentamento, que os “piras” diziam ter sido para os lados da ponte. Como os “turras” viram que ninguém passava destruíram a ponte.Fomos dormir mas como estava constipado fui à enfermaria do quartel onde me deram uma injecção.

(Ex-Alferes Dias: Estava a fazer um reconhecimento ao quartel de Pirada, acompanhado do Alferes de Artilharia, quando vi um grande clarão. Lembrámo-nos da possibilidade de ser um lançamento de foguetão contra o quartel e iniciámos uma corrida para os espaldões dos canhões. Após o rebentamento e pela zona do mesmo, o Alferes apontou os canhões para a zona e deu ordem de fogo. Pouco depois chegava alguém das transmissões a informar que os projécteis tinham caído numa tabanca. Isto causou um alarme e um arrepio no meu camarada que foi a correr para o quarto, comigo na peugada, para verificar os planos de tiro e só me dizia: ”Não pode ser! O alinhamento está correcto, com certeza!”. De facto estava, porque logo de seguida veio nova informação a dizer que as granadas haviam caído ainda longe da tabanca, mas com medo que a próxima descarga lhes acertasse, as milícias tinham tido aquele desabafo!).

No dia seguinte, devido à injecção, mal conseguia andar mas formei com os meus camaradas após a chegada do furriel da Secção. Era a coluna que ia seguir para Copá e passar pela ponte destruída e trazer dois corpos. Eu disse-lhe que não podia caminhar devido à injecção que levara, mas ele respondeu-me que se tivéssemos de ir de seguida para Nova Lamego eu não ia ficar ali. Arrancou a coluna com os sapadores na frente a picar e desarmar minas que não foram assim tão poucas e eu lá seguia com o meu grupo atrás das viaturas, mas como não podia mesmo caminhar o furriel lá me mandou subir para a Berliet, para o lugar ao lado do condutor, estando o chão protegido contra os rebentamentos de minas por sacos de areia.

Seguíamos em ritmo lento quando de repente o condutor deixa a faixa de rodagem e segue em direcção à mata. Grito-lhe para ele parar, para eu sair, mas ele só veio a parar num local onde costumava dar a volta às viaturas. Saltei de imediato e meio metro depois a roda da frente (do seu lado) pisa uma mina anti-pessoal que rebenta e destrói a roda. Eu já me encontrava atrás de uma árvore quando o condutor saiu com as mãos à cabeça e a dizer: “Ai!Ai que sorte que eu tive!”.

Nós éramos para seguir viagem mas chegou o comandante do batalhão que disse: “Como é que eu vou mandar estes homens para a frente se eles já deviam estar junto das suas famílias!” Depois mandou a coluna regressar a Pirada, terminando assim em bem mais uma das muitas histórias porque passámos.

(Ex-Alferes Dias: Durante as conversas que tivera com os meus graduados e soldados sobre a zona de intervenção de Pirada, eu tinha-lhes referido a notória possibilidade do IN colocar engenhos explosivos junto a árvores que ladeiam as picadas, porque sabem do nosso costume de procurar abrigo nestes locais, quer para defesa do calor que se faz sentir, quer para responder a emboscadas. E disse-lhes que em caso de qualquer problema deveriam evitar esses locais, sem prévia picagem. Falei-lhes que na zona o tipo de minas A/P era diferente das que colocavam na nossa zona de origem, nomeadamente do tipo denominado “viúvas negras”.

A coluna seguia lentamente devido à quantidade minas A/C que o IN colocara na picada e que iam pondo os nervos em franja aos sapadores. O IN dava-se ao luxo de, em alguns dos casos, elas nem estarem tapadas. Pensava-se que, muito possivelmente estariam armadilhadas. Era tal a profusão das mesmas que o comandante do batalhão de Pirada teve consciência que alguma coisa iria correr mal e deu ordem de inverter a marcha e foi aí que se deu a “cena” contada pelo nosso amigo José da Silva, que também escapou de boa!!!

NOTA: O José Pereira da Silva era unha com carne com o Joaquim Pedro Silva, na Guiné e ainda continuaram e são amigos para além da vida militar, amizade esta alargada às famílias que criaram. São ambos um exemplo do melhor que as situações de guerra podem criar num ser humano – amizade para toda a vida. O Joaquim Pedro recebeu um louvor atribuído pelo Comandante do CAOP 2 (Agrupamento de Batalhões do Leste da Guiné), dado em Outubro de 1973, ou seja uns tempos antes dos factos aqui relatados.

 Nesta foto do último encontro realizado em Carapinheira/Tentúgal, o João Pereira da Silva é o segundo elemento a contar do lado esquerdo, de camisa branca e de óculos. Antes dele, de bigode e de camisa aos quadrados azuis está o seu inseparável amigo, Joaquim Pedro.

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