terça-feira, 23 de agosto de 2011

DING DONG! DING DONG! DING DONG!



Com a devida vénia para o autor - FERNANDO NEVES - camarada combatente de Moçambique, transcrevo uma pequena peça apresentada no Facebook - VOZ DOS COMBATENTES, no passado dia 22 de Agosto:
Luís Dias

Ding, dong, ding, dong, ding, dong
Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, eu te baptizo José.
Estremunhado e assustado com aquela água que me escorria pelo rosto chorei desalmadamente.
E o cabrão do diabo disparou um pau………filho da puta que me acertaste em cheio…………
Ding, dong, ding, dong, ding, dong
José, José aguenta foda-se…………. matem o cabrão desse turra.
A voz do meu Alferes longínqua já
E o sino balavava ding…. dong, ding……. dong, em Nome do Pai…………………frio e………………………. silêncio.
Absurdamente apetece-me chorar desalmadamente pois estou estremunhado e assustado.
Eu te baptizo……………… José.
Veio-me ás narinas o cheiro a terra, tocavam a silêncio, disparam salvas, descansar, à vontade.
Aquela voz do meu Comandante, quero falar mas o meu Alferes não me ouve.
Sons de pazadas de terra a caírem sobre mim, porra, estou morto???????????
Tinha um faro para as armadilhas e por isso estava sempre à frente de olhos bem despertos a dar com os arames de tropeço …e lá vai mais uma ao ar esta já não dá cabo de mais ninguém.
Naquela manhã de cacimbo cerrado a mata entrou em silêncio, todos os meus sentidos estavam alerta cheirava a morte no ar, um tiro e caí o meu Alferes, abri fogo como nunca e deitei-me em cima dele, fui sacudido para o lado e abrimos fogo desalmadamente. Como os filhos da puta gritavam e depois o silêncio.
Gaita, que estragos fizemos……….ficaram ali mesmo enterrados, para não servirem de comer às feras.
O meu Alferes abraçou-me e disse, obrigado José, mas da próxima vez vê primeiro se pulas para cima de um morto ou de um vivo.
Ding……..dong, quem com ferros mata com ferros morre, …………..catequese.
Fiquei junto do pelotão e de cada vez que havia patrulhas lá ia eu à frente, quantas vezes abri o faro do Fernando para ele poder ver os malditos arames.
E pulei novamente em cima do meu Alferes desta vez tinha toda a razão. Safei-lhe a vida, com aquele tropeção que o obriguei ao chão antes daquela bala o estraçalhar como me fez a mim.
Ding,…dong………eu te baptizo José.
Gaita, que este sino da minha aldeia incomoda e paro para ver o que se passa.
Vejo uma Luz branca e só distingo um botão cosido num bocado de uma farda, pergunto quem vem lá?
O Soldado Desconhecido, responde alguém com voz branda e suave.
Soldado Desconhecido? O da Batalha? Em Moçambique? Com é possível?
Ding……..dong novamente o sino da minha aldeia chama-me com toda a força e viajo até lá.
Há choro, e chamam pelo meu nome, José, Paz à sua Alma diz o Senhor Prior, sinto que de alguma forma sou invadido por uma sensação de Paz profunda, volto a ver esse botão cosido num pedaço de farda e essa Luz branca que me diz:
- José vem comigo.
Sinto que recuo no TEMPO sempre acompanhado pelo Soldado Desconhecido, e viajo pela História da Minha Pátria, deste Chão Luso.
Meu Deus que viagem vertiginosa e esclarecedora eu tenho.
Percebo agora o significado das “Quinas” da Minha Bandeira, o seu verde e vermelho a sua esfera armilar e cada vez mais orgulhoso fico com a BANDEIRA a quem Jurei Fidelidade, Honra e Sangue.
Pátria Fiel e Honrada eu Servi, disse ao SOLDADO.
Ele olha para mim e num olhar de profundo respeito, pergunta-me se estou pronto para viajar mais um pouco.
Respondo que sim e o SOLDADO pega-me na mão com força e pede aos Céus Licença para…………………….
Estremeço ao sentir o cheiro daquela terra novamente, mas estou amparado pelo SOLDADO e vejo……………e oiço…………….
E o SOLDADO disse-me que estamos no século XVII e vejo a caça aos escravos e o que eles lutavam para fugir às malhas do cerco das outras tribos.
Depois vejo o mercado dos escravos e a venda e o embarque nos negreiros e as famílias separadas.
Vejo a separação de Pais e Filhos de Mulheres e Maridos de aldeias que são dispersas para terras de longe e de joelhos eu caio. E Juntamente com o SOLDADO, peço PERDÂO AO PAI.
Ding…………….Dong, novamente o sino da minha aldeia.
Toda a Criação é Filha de Deus…………………….catequese.
Estou perturbado e pergunto ao SOLDADO, mas que tem isto de ver comigo?
Tens Sangue LUSO ou não?
E recuo ainda mais no tempo e há um a quem chamam de Viriato que se apresenta e sinto que foi aí nesse momento que o meu Sangue sentiu todo o Valor da carga genética, e depois veio um Dom Afonso Henriques e um Nuno Alvares Pereira e senti todo o Valor do Meu Sangue.
Disse em alto Brado Sou Sangue Luso, mas se há erros na minha História, então mereço o Perdão do Pai.
E novamente vi na “volta do tempo”, civis que eram obrigados a debandarem das suas casas e famílias desmembradas e deslocadas para uma terra longínqua, que por Graça do Pai não entrou numa guerra civil por muito pouco.
E vi que a Paz não voltou àqueles territórios pois os novos governantes eram os chefes das antigas tribos que se dedicavam a apanhar os outros para os venderem como escravos, e assim até que…….
Ding…Dong, eu te baptizo José.
Novamente o sino da minha aldeia me chama compulsivamente e assisto a uma missa por acção de graças, pois o meu irmão mais novo foi eleito Presidente da Câmara.
Sorte dele que não sentiu a cheiro da Guerra, mas vejo a sua ALMA Triste………
Pergunto ao SOLDADO o que se passava e ELE responde-me Está aberta uma nova GUERRA em Portugal.
Uma Guerra de Paz e Dignidade, esclarece
O teu Irmão vai proceder com Dignidade pela tua Memória, pois além de ir inaugurar um Monumento aos Mortos do Ultramar vai ainda pertencer à Voz dos Combatentes que lutam pelo regresso dos Corpos dos que por lá Tombaram.
E TOCA a SILÊNCIO.

Apeteceu-me nesta hora escrever assim
Fernando Neves

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