quarta-feira, 21 de dezembro de 2022


 E estávamos à espera de quê? De alguém que se safou da tropa por ser filho do Ministro do Ultramar?

Não obstante o tempo passado a dor que tantas e tantas famílias sofreram por ter perdido, filhos, pais e amigos, no território da Guiné. Ainda por aqueles que ficaram gravemente feridos ou que ainda hoje sofrem de "stress" de guerra. É, do meu ponto de vista, uma afronta a todos estes e a todos os combatentes, o que o Presidente da República decidiu conceder, assim como não quer a coisa, porque até nem fizeram publicidade do acontecimento, ao então presidente do movimento que combatia as forças portuguesas - o PAIGC. Já agora referir que Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri, por elementos do seu partido, não obstante passarem a vida a afirmar que foi por ordem da então PIDE/DGS.

Luís Dias (antigo combatente na Guiné 1971-1974)


terça-feira, 20 de dezembro de 2022



Guiné 61/74 - P23901: In Memoriam (465): Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima (1935-2022)

 

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Augusto Reis (ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, Gadamael, Cumeré, Quinhamel, Cumbijã e Colibuia, 1972/74) com data de hoje, 20 de Dezembro de 2022:


Caro amigo e camarada Coutinho e Lima
Partiste.


Não posso deixar de expressar toda a dor que me vai na alma pela sua partida e revelar o apreço e consideração que sempre tive por si. Destaco a sua coragem em situações de guerra muito difíceis, mas cuja perceção não esteve ao alcance de todos os seus camaradas. Foi a vítima escolhida, para outros exibirem os seus troféus de glória e se vangloriarem. Os homens que comandou da CCAV 8350, fazem aqui eco de tudo o que de bom fez por eles.
E foi muito. Eles não esquecem.

Recordo aqui um dos momentos mais difíceis da sua vida e da vida de todos nós. Guileje encontrava-se numa encruzilhada de vida ou de morte. Ataques contínuos de armamento, avançado para a época, iam destruindo todas as instalações que se encontravam ao nível do solo. Permaneciam intactos os abrigos, de betão, onde se abrigavam 200 militares e 317 elementos da população. Muita gente para pouco espaço o que, com o avançar do tempo, transportou problemas de saúde.

Tudo começou com uma emboscada, preparada com minúcia, onde as NT tiveram 2 mortos e 11 feridos, a 18 de Maio de 1973. Uma semana antes, o Comandante Chefe preparou-nos para a situação que se avizinhava e garantiu-nos que nenhum ferido deixava de ser evacuado.

Recusadas as evacuações, o Major Coutinho e Lima procurou uma saída. A picada para Gadamael estava bloqueada e a única escapatória era um pequeno riacho, a 5 km de distância, onde a Companhia se abastecia de água e que, naquele momento, estava desimpedido, o que não aconteceu no dia seguinte. Os mortos e feridos, acompanhados pelo Major Coutinho e Lima, dirigiram-se a Cacine, em botes, e posteriormente para Bissau.

Coutinho e Lima relata a situação que se vivia em Guileje, numa reunião pedida para o efeito e solicita o apoio de uma companhia de Comandos ou Paraquedistas. É recusado o apoio e humilhado... Siga para Guileje e será substituído!
Entra no aquartelamento no dia 21, debaixo de fogo, recusando permanecer na mata sob a proteção de um grupo de combate de Gadamael.

Faz o ponto da situação:
- Substituto não aparece. Encontrava-se perto, em Gadamael.
- Instalações destruídas
- Falta de qualquer apoio, apenas a Força Aérea sinalizava a nossa presença. A sua incapacidade era notória, a presença de mísseis Terra-ar era limitadora da sua atividade.
- A artilharia estava desarticulada com a troca inoportuna dos obuses, apenas um obus 14 funcionava, sem estar regulado.
- O acesso à água estava cortado.
- O moral dos militares era diminuto, agravado pela insalubridade dos abrigos, onde permaneciam bastante crianças.

Guileje está perdido. Ficar ou retirar?
Ficar significava um massacre, com mortos, feridos e prisioneiros, com elevada probabilidade. A mata em Guileje era impenetrável na maior parte das zonas e qualquer saída do aquartelamento estava condicionada ao insucesso.
Retirar de modo ordenado, antes do nascer do sol, por um trilho que só a população conhecia era a hipótese menos arriscada.

O Major Coutinho e Lima depara-se com este problema: Durante a noite a decisão de retirar ou não, altera-se. Só às 3 da manhã, decide definitivamente retirar, perante a presença de um representante da população. Desabafa que a sua vida militar terminou ali!

O Sr. Coronel de Artilharia (reformado), foi quem, corajosamente, comandou a famosa retirada do Quartel de Guileje, quando as tropas e a população estavam numa situação incrível.

Quando efectuei o Curso de Unidades Africanas, em Novembro/Dezembro de 1972, no CIM de Bolama, estive sob o comando deste excelente oficial, tendo ficado com uma muito boa impressão, quer do seu sentido profissional, quer como ser humano. Falei com ele breves palavras quando comprei o seu livro sobre a célebre retirada.

Que possa a sua alma descansar em paz. Sentidos pêsames à família enlutada.  Luís Dias 20/12/2022