domingo, 27 de junho de 2010

NOTAS SOBRE A PISTA DE AVIAÇÃO DO DULOMBI, DA AUTORIA DE MIGUEL PESSOA, EX-TENENTE AVIADOR DA BA 12-BISSAU

Vista aérea do Aquartelamento do Dulombi, em 1972, vendo-se ao cimo à esquerda o Heliporto e ainda sem a pista para Do-27.
Caros Camaradas
Junto anexo um post lançado no blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, em 18 de Junho, sobre a nossa pista para aviões DO-27, do Dulombi (com a devida vénia), bem como comentários do Luís Dias e do Fernando Barata (ex-Alf da CCAÇ2700 - os nossos "velhinhos").


"Lembro-me que nas operações do Grupo Operacional 1201, na BA12, havia um arquiuvador muito prático onde estavam registados dados de todas as pistas existentes no território e que, para além das caracterísiticas específicas de cada uma (comprimento, largura, orientação, condições de utilização, limitações, etc.), incluía fotografias de cada pista, algumas dels tiradas à vertica das mesmas.

Estes dados eram muito importantes para o aviador, principalmente no início da comissão, quando ainda não tinha grande con hecimento do terreno. O número elevado de pistas existentes (cerca de sessenta), a falta de visibilidade horizontal durante uma época do ano e o facto de as pistas por vezes se sucederem num espaço de terreno relativamente curto podiam induzir em erro os menos experientes.Ninguém gosta de aterrar num determinado sítio e descobrir que o que queria é mais ao lado, principalmente quando a pista é afastada do aquartelamento e afinal não há qualquer segurança montada no local.

Por isso era habitual passarmos pelas Operações para visualizar os sítios onde íamos pela primeira vez. Daí ser natural já ter por vezes um conhecimento virtual de determinada pista mesmo antes de lá ter ido - uma espécis de flight simulator da época.

Uma vez recebi um incumbência curiosa; tratava-se de ir abrir ao tráfego aéreo uma pista (Dulombi, senão me falha a memória), isto é comprovar que aquela pista estava em condições de ser utilizada pelos nossos DO-27. Fiquei curioso com esta missão, mas uma visão das fotos da pista rapidamente me elucidou. -na tal fotografia feita à vertical da pista pude verificar que, ao contrário do que sucedia com outros aeródromos, em que a placa a placa de helicópteros surgia, normalmente, ao lado da pista, a uma distância de segurança (1), aqui essa placa surgia cravada no meio da pista, dividindo-a em duas partes mais ou menos iguais, uma para cada lado.

É natural que, tratando-se de duas construções de diferente tipo, uma em cimento e outra em terra batida, a sua utilização intensa (o que não seria no entanto o caso) e principalmente os efeitos da natureza podiam levar à degradação das duas junções e criar um degrau fatal para qualquer avião que ali tentasse aterrar. Assim, durante a época das chuvas, as águas que corriam ao lado da placa de helicópteros arrastavam as terras adjacentes deixando a placa saliente e impedindo a utilização da pista, dado que qualquer das tiras remanescentes (uma para cada lado, recorda-se) eram insuficientes para o DO operar.

Portanto, todos os anos, depois das chuvas terminarem, havia que proceder à recuperação da pista nas zonas adjacentes à placa, de modo a permitir a passagem dos aviões por cima desta sem sobressaltos.

A minha missão não teve problemas de maior, dado que as terras haviam sido repostas e a pista podia ser utilizada em segurança. Mas sempre me interrogava porque havia sido tomada esta opção (falta de espaço para a placa noutro local?) que tornava sazonal o uso daquela pista. É que, sabendo-se das dificuldades sentidas pelos nossos militares nas zonas mais isoladas, a pista de aterragem era sempre uma mais-valia que podia reduzir um pouco esse isolamento e limitar as carências daí resultantes.

NOTA (1): Tratando-se de uma construção em cimento, muitas vezes saliente do chão cerca de um palmo, podia ser um obstáculo intransponível se se perdesse o controlo do avião e ele embicasse na direcção da placa (normalmente por causa dos ventos, pontualmente também me chegaram a aparecer à frente vacas e cães, durante a aterragem....). Pelo menos lembro-me de um DO-27 imobilizado sobre os dois cotos que tinham sido oso trem de aterragem, no meio de uma placa de helicópteros, devida à perda do controlo do avião durante a descolagem. Já não cheguei a ver lá o avião, mas as marcas deixadas pelos cotos eram ainda bem visíveis.

Um abraço
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA12

Caro Miguel Pessoa

Já não me recordo porque a pista estava do Dulombi estava colocada como tu referes, ms posso acrescentar que a pista foi feita pela minha companhia e que o heliporto já ali estava, porque foi contruído pela CCAÇ2700, nossa antecessora. Devo acrescentar que sempre ali pousaram DO-27, mas com as chuvas ficava impraticável, tendo de ser reparada com frequência. Tinha até garrafas de cerveja enterradas (contendo gasolina ou petróleo?) para iluminar a pista durante a noite em caso de qualquer emergência. Vou contactar o ex-capitão Pires para ver se ele se lembra da construção da pista e depois informo-te do que apurar.

Um abraço do tamanho do Rio Corubalo
Luís Dias
Ex-Alf. Mil da CCAÇ3491
Guiné 71-74 (21/6/2010)

Caro Miguel Pessoa

Conforme referi no comentário anterior, contactei o ex-Capitão Fernando Pires, cmdt da CCAÇ3491, instalada no Dulombi entre Janeiro de 1972 e Março de 1973 (a companhia foi para Galomaro - sede do Batalhão e regressámos novamente ao Dulombi em Janeiro de 1974, para preparar a recepção aos piras, embora semanalmente ali continuassemos a efectuar operações e colunas e onde tinham ficado 13 homens e 2 pelotões de milícias, comandados por um Furriel) e tendo-o questionado sobre o problema da pista para DO-27 que tu referes, ele disse-me que dado o tempo decorrido já não se recorda dos pormenores da construção da mesma.

O que te posso dizer mais é que o lado da pista era um dos melhores protegidos do aquartelamento (2 morteiros 81mm e vários 60 mm tinham os espaldares desse lado), sendo também o lado da saída da picada para Galomaro.

Um abraço do tamanho do Rio Corubalo

Luís Dias (23/6/2010)

Olá Luís

Certamente terás visto no blogue do Luís Graça um post colocado pelo Miguel Pessoa, em que este se referia à pista do Dulombi.

Relatava que após um período em que a nossa pista esteve inoperacional incumbiu-lhe a ele fazer o voo de teste à mesma.

Ora acontece que durante o nosso "reinado" a pista foi fechada, presumo após um pilto se ter queixado que a mesma tinha certas irregulariedades, sendo preconizado como solução a construção de uma caixa de gravilha com determinada altura o que seria, como deves imaginar, uma tarefa ciclópica atendendo aos meios que possuíamos. Assim, o nosso capitão abandonou liminarmente a ideia de recuperação, com muita pena minha pois volta e meia recebíamos alguns voos que nos traziam o correio e alguns frescos.

Como te referi o Miguel Pessoa foi ao Dulombi para aprovar a pista. A minha pergunta é: Foram vocês que fizeram todos os trabalhos necessários (a tal caixa de gravilha) de molde a tornar a pista operacional?

Abraço
Barata

Caro Barata

Como acima refiro o Ex-Capitão Pires não se recorda dos pormenores da construção da pista e eu sinceramente também não sei se foi efectuada ou não a tal caixa de gravilha, mas julgo que não (?). O que acontecia é que arranjávamos continuamente a pista no tempo das chuvas para que ela pudesse estar operacional. Vivemos uns tempos conturbados em matéria de abastecimentos de frescos, com as primeiras chuvas e com as dificuldades de efectuar colunas a Galomaro/Bafatá/Bambadinca para reabastecimento e com os problemas com a pista. Segundo penso, chegámos a receber material lançado em voo baixo, de páraquedas.

Como tu dizes a pista era um meio importante de reabastecimento e para receber o correio e nós enquanto pudemos aproveitámos. Muitas das vezes era também o helio que nos trazia o correio.

Um abraço
Luís Dias



terça-feira, 1 de junho de 2010

A (IM)PREPARAÇÃO DOS NOSSO OFICIAIS MILICIANOS PARA A GUERRA COLONIAL

Caros Camaradas


O blogue do Luís Graça & camaradas da Guiné publicou no dia 1 de Junho, um comentário do editor deste blogue, ao Post 6488, do camarada Mário Pinto, sobre a preparação dos oficiais milicianos para a Guerra Colonial, conforme segue:


Guiné:Zona Leste - Gallomaro/Dulombi -C.Caç 3491 (1971-1974). O Alf.Milº Luís Dias empunhando a famosa AK-47 (ou Kalash).

Foto:Cortesia de Luís Dias (2010). Fonte:Blogue Histórias da Guiné 71-74- A CCAÇ 3491-Dulombi.

Comentário do Luís Dias ao Poste P6488:

Caro Mário Pinto

Ainda tenho os célebres manuais militares que nos eram fornecidos para estudo: Manual do Oficial Miliciano - Parte Geral, 1º e 2º Volumes e o famoso Operações Contra Bandos Armados e Guerrilhas.

No entanto e de facto o que nos acontecia era um aprender rapidamente que tudo aquilo que nos ensinavam, com certeza de boa fé, não servia no teatro de guerra em que nos envolveram.

No primeiro contacto com o IN, em que que 2 GR.COMB da minha companhia, por mim comandados, se viram debaixo de um fogo intenso, ao cair da noite, no dia a seguir à partida dos "velhinhos", eu vi de imediato os erros que tinha cometido, por não saber estar/abordar um zona de mato cerrado, em formação deficiente, com grandes dificuldades de ripostar com os morteiros, LGF´s e Dilagramas, numa primeira fase e que só nos correu a contento devido a uma grande dose de sorte e a um soldado africano muito experiente (ex-guerrilheiro), que conseguiu sair da zona cerrada, obter uma clareira e como o morteiro 60 colocado à barriga - parece incrível, mas foi verdade - lançou duas ou três granadas que atingiram os guerrilheiros, pondo-os em retirada. Foi ainda importante o IN ter sido detectado por dois elementos nossos, tendo um deles aberto fogo da HK-21 sobre um guerrilheiro, o que desencadeou a emboscada que estava a ser montada.

Esta primeira acção, aliada a outras que encontrei no início da comissão, levaram-me atambém a tomar outras opções tácticas, mais de acordo com o que estávamos a enfrentar no terreno.

No armamento também deixámos a bazuca em casa, só a levando em colunas (também chegámos a usar um RPG2 apreendido). Largámos as granadas defensivas, ficando unicamente com as granadas ofensivas. Aumentámos os elementos com dilagramas e também usámos 2 Hk21. em determinadas zonas mais cerradas o homem da frente levava uma caçadeira calibre 12, com zagalotes. Recorremos a armas do In para fazer fogo contra os mesmos (Kalash AK-47 e PPSH41).

É como tu dizes, tivemos de efectuar uma revolução do que aprendêramos na metrópole.

Um abraço

Luís Dias

A foto apresentada é de 1973 e para além da Kalashnikov AK-47 (ao que creio de fabrico chinês), tinha à cintura uma pistola Tula Tokarev TT-33, no calibre 7,62mm Tk, de origem soviética.

Como se lembram, nesse célebre contacto de 11 de Março de 1972, às 18h00, na Operação "Alma Forte" e junto ao rio Lemenei/Paiai Lemenei, o 2º e 3º GC, reforçados por uma Sec. do Pel.Milª. 288, tiveram alguma sorte em sair com ligeiros feridos da troca de tiros e de rebentamentos entre as nossas forças e o PAIGC. Quer a acção do soldado Manga Camará, quer do 1º Cabo Amílcar Costa, com a sua HK21 e ainda do Furriel E. Santo (fixando o fogo do IN, com os elementos da sua secção), foram fundamentais para resolver a nosso favor uma emboscada que nos poderia ter custado pesadas baixas.

Outro elemento importante era o pouco conhecimento que tínhamos do armamento IN. Neste contacto, que se deu ao cair da noite, a determinada altura eu via rebentamentos no ar, por cima de nós e pensei que seriam dilagramas nossos, atirados em desespero pelos nossos homens, perigosamente à vertical das nossas posições e fiquei arrepiado. Afinal, tratavam-se de granadas de RPG7 do IN que, como as do RPG2, rebentavam ao contacto com um alvo, mas para além disso também rebentavam por tempo, ou seja ao fim de alguns segundos sem adquirirem um alvo concreto, o que eu desconhecia.

Como todos sabemos à medida que o tempo decorria íamos aprendendo quer através dos ensinamentos colhidos por nós nas nossas andanças pelo mato, bolanhas e picadas, quer através de elementos colhidos da experiência de outros camaradas, noutras companhias e em outras zonas e ainda de alguma literatura sobre o seu armamento e sobre a sua forma de manobrar.

As deslocações no mato eram cuidadososas, com o mantimento das distâncias entre os elementos, variando consoante o tipo de terreno e de vegetação. Nunca ficámos instalados em círculo quando as nossas forças eram superiores a um GC (quando inferiores poderíamos adoptar a instalação em círculo). Nunca pernoitávamos junto a um rio a não ser para que o objectivo fosse efectuar uma emboscada perto do mesmo, nem em matas demasiado cerradas. Ficando instalados em linha havia que reforçar os extremos. Silêncio rádio a partir do anoitecer até ao amanhecer (só quebrado em caso de contacto com o IN). Na deslocação a sinaléctica entre nós era importante, evitando-se falar, porque podíamos ser detectados. Havia alguma liberdade no transporte das armas pessoais, porque cada um usava-a conforme lhe dava mais jeito para uma resposta efectiva em caso de contacto inopinado (Eu próprio usava a arma e a respectiva bandoleira cruzadas na frente e com um gesto rápido punha-a em posição de disparar). Em caso de acção eminente, então a arma seguia nas mãos e em posição de fogo.

Os elementos do armamento de apoio estavam bem adaptados à sua arma e tinham sempre alguém que formava com eles um binómio, uma unidade perfeita. As granadas de morteiro 60 mm eram transportadas por quase todos os elementos, com excepção dos apontadores de metralhadora ligeira, daqueles que os apoiavam e que transportavam mais fitas, do apontador de LGF e seu apoiante, dos atiradores com dilagrama, do homem do rádio e do enfermeiro. Em caso de contacto as granadas iam sendo passadas até ao apontador do morteiro. Nas colunas as granadas seguiam agrupadas, muitas das vezes, em caixas apropriadas que eram puxadas para o chão aquando de alguma emboscada, ficando junto do apontador.

A acção de picagem era uma das tarefas mais importantes que podíamos efectuar e os picadores tinham uma missão de muita importância e sempre que os meus homens me mostravam os calos que tinham nas mãos por causa daquele trabalho eu sempre lhes disse que isso tinha sido importante para o levantamento das minas que nos colocaram e deviam ficar orgulhosos do seu meticuloso trabalho. Usávamos normalmente duas fiadas de 4 homens de cada lado da estrada a picar, com recurso a espetos de ferro. Em determinada altura, como tivéssemos sido informados que o IN usava umas minas anti-carro, em que a própria acção da pica de ferro fazia accioná-la (rasgando duas placas de papel de prata e conectando-as) passámos a usar dois picadores de cada lado da estrada com picas feitas de madeira, que eram substituídas na coluna seguinte.

Nas deslocações para um objectivo por meio de viaturas, estas tinham sempre os taipais em baixo (ou eram removidos), com o pessoal sentado ao meio e virado de costas uns para os outros, de forma a poderem saltar das mesmas sem qualquer dificuldade (má experiência resultante da trágica emboscada no Quirado/Saltinho, em Abril de 1972, à CCAÇ3490 do nosso batalhão com 11 mortos-uma das piores de sempre no TOG). Quando por informações recolhidas ou por serem localizados sinais da possibilidade do IN estar no local, a deslocação era feita apeada, seguido as viaturas enquadradas, até nos certificarmos de que as coisas estavam normais. No cimo da viatura constituíamos um melhor alvo para o IN, do que num deslocação apeada.

Deslocações em viatura durante a noite eram de todo a evitar (ensinamento colhido da emboscada em Bangacia aos elementos da CCS do Batalhão que fomos render).

A defesa do aquartelamento do Dulombi estava planeada devidamente por sectores, ou seja cada oficial era responsável por uma área, contando com o apoio dos furriéis do seu GC. As armas de apoio estavam espalhadas pelo perímetro, de forma a cobrirem e a baterem todas as áreas de onde o IN nos atacasse. Os espaldares dos morteiros 81 mm possuíam indicações colocadas em pequenas estacas dos locais de onde o IN mais vezes nos atacava, de maneira a rapidamente alcançarem esses pontos, colocando o morteiro virado para essas indicações. Na frente de onde normalmente o IN nos atacava (também já do tempo da CCAÇ2700), a cerca de 800 m do quartel estavam colocadas minas anti-pessoais, em fileira, encimando estacas de ferro, a uma altura de um metro/metro e meio do chão, ligadas por arame de tropeçar. Existiam também dois fornilhos, nessa mesma frente, junto de baga bagas, existentes na orla da mata.